Enquanto
os dois paladinos aproveitavam o dia de sol para treinar e desenvolver suas
habilidades mágicas, Sansa e Voltten aproveitaram o tempo para estudar a arte
teórica da magia.
Com imensas pilhas de livros os circulando, eles liam concentradamente em uma das mesas que decorava a biblioteca real do
castelo.
Sansa em um momento de cansaço desviou seus olhos
lentamente para Voltten, que estava com a cara tapada por um livro de capa
marrom que estampava uma cruz e os dizeres A Arte da Religião. Os dedos do elfo o segurava na altura dos olhos enquanto
seu longo braço se apoiava na mesa. Mas um detalhe incomodou Sansa.
O anel que havia sido dado a Voltten tinha sido
colocado pelo mesmo em seu dedo anelar de sua mão direita, coisa que era comum
entre casais. Informação essa que era conhecida pela maga.
Sansa, envergonhada, questionou o ato do
mago falando calmamente:
— Voltten...
O mago abaixou o livro, deixando seu rosto
distraído à mostra.
— Sim? — perguntou Voltten, direcionando seu foco
brevemente a Sansa.
— ...você gosta de mim? — Questionou Sansa
casualmente, sem pretensões ou segundas intenções, apenas uma pergunta pura e
casual inicialmente.
Voltten ficou completamente sem reação, mesmo
sendo um mago com um intelecto de extremamente grande, ele não entendeu o
motivo da pergunta e começou a recapitular em sua memória, todos os momentos
que os dois tiveram interação até agora, para conseguir alguma pista do porquê
da pergunta.
Em sua memória, Voltten lembrou de
Parysas junto com Sansa, o conduzindo para seu quarto junto com Edward e Varis.
Logo em seguida, o mago se escondeu propositalmente atrás do livro com
vergonha.
Sansa observou o mago pensativo que ficou sem
palavras após ouvir o que havia sido perguntado. Ela refletiu brevemente sobre
o que havia falado e pensou no que a frase sozinha podia significar.
“Hum...” pensou
Sansa, listando os significados. “Um interesse amoroso, uma pergunta
descompromissada com segundas intenções, algo totalmente para segundas
intenções. E de tantos outros significados eu escolhi justamente ‘Uma pergunta
sobre seu dedo anelar’! Meu deus...”
— Bem... eu não diria que não gosto... – Disse Voltten, nervoso e envergonhado, ainda evitando contato visual.
— Quer dizer, você colocou meu anel mágico no
seu dedo anelar, igual quando uma pessoa se casa. — Respondeu Sansa, tentando recuperar
a postura.
— Ah! Isso foi proposital. – Voltten afirmou, voltando vagamente a postura original e tentando abandonar a vergonha ao falar.
— Caso algum dia for preso ou questionado por algum guarda, posso dar a
desculpa de ser casado para manter o anel em meu dedo e continuar a conjurar
magias...
— Então colocar ele aí foi um plano para nunca
se separar dele? — Perguntou Sansa, voltando à normalidade aos poucos.
— Sim. – Voltten confirmou. – Vou
falar para Edward fazer o mesmo, ia ser um problema se nós não tivéssemos uma
conexão com o mundo mágico, não?
— Sim, acho que você tem razão.
Os dois se aquietaram e voltaram a ler, ambos
esconderam os rostos sem perceberem.
Porem no meio de tudo aquilo, Sansa se pós a
pensar.
“Por um breve momento, me senti bem
envergonhada. ” Pensou Sansa, ao desviar novamente o olhar para Voltten, mas
dessa vez não conseguindo ver nenhuma parte de seu rosto. “Ser criada apenas
com meu irmão e Cérbero não fez muito bem para minha mente... Foco Sansa! Foco!
Ainda não é o momento para isso... eu acho”.
Cerca de três horas após o despertar de Edward e
Voltten, Varis acordou, mas não em sua cama.
O ladino, com os olhos ainda sonolentos, despertou
com uma enorme pancada em sua nuca. Ainda dormente, ele olhou ao redor para
identificar o local, que mudou de um quarto velho e empoeirado para o interior
de uma carroça coberta.
— Mas que diabos? — Varis se sentou e tentou acordar, mesmo estando completamente confuso.
Uma figura encostou no seu ombro, fazendo-o se
jogar para frente, ele se virou rapidamente, deslizando sua mão esquerda para
sua cintura procurando o punhal de uma adaga.
Mesmo com a visão um pouco embaçada, Varis
reconheceu o homem que havia lhe encostado, o manto vermelho escuro dele é a
única coisa que se tem visão o suficiente para discernir, seu rosto estava uma
mistura de tons de pele com o preto de seu cabelo e de seus pelos faciais – que
não eram grandes a ponto de se chamar de chamar aquilo de barba.
— Bom dia! — Exclamou Cérbero, após ver que o
ladino havia acordado. — A propósito suas armas estão na mochila ao seu lado.
— Você de novo! — Reclamou Varis, virando sua
cabeça e confirmando a existência da mochila dita pelo caçador. — Onde estamos?
— Artit. — Afirmou Cérbero, voltando sua mão para
a corda que era puxada pelo cavalo que carregava a carroça. — Mais
especificamente em direção a capital.
— Artit? Esse não é o país dos Cavaleiros
Negros?
— Sim.
— E porque estamos aqui? — Perguntou o ladino, vasculhando a mochila desconfiando.
— Serviço. — Respondeu Cérbero, ignorando as
ações do elfo negro.
— Vou perguntar melhor já que não foi óbvio o
suficiente. Porque eu estou aqui? — Repetiu Varis indignado, conferindo a
mochila e tendo certeza de que ela era sua.
— Edward está treinando magias com Parysas,
Voltten deve estar lendo com Sansa, e você, como não tinha nada para fazer,
veio comigo para um trabalho mundano ao invés de ser vigiado em uma sala
fechada.
— Eu podia ficar treinando no castelo. — Reclamou
Varis, colocando suas armas em seus devidos lugares.
— Treinar o quê? O rei já falou para você.
Treinamento é uma coisa que você não precisa no momento. – Cérbero afirmou de
forma rápida. – E já que perda de tempo te ensinar magia. Foi por
eliminação que você veio comigo.
– Como assim perda de tempo?! – Varis questionou, irritado.
– Nem Parysas nem Sansa estariam dispostos a
treinar alguém como você e minha “escola de pupilos” está fechada a quase uma
década.
Varis suspirou de cansaço momentâneo, revoltado
com os dizeres do caçador ele volta a deitar.
Olhando para o banco do interior da carroça,
outra vez ele se levantou ao levar uma pancada na cabeça devido a um pequeno salto
do veículo.
— Ai! — Reclamou o ladino, desistindo de tentar
dormir de novo. — A propósito, o que vamos fazer em Artit?
— Bem.... Eu não tenho certeza, mas acho que
vamos matar um peixe meio grande. — Cérbero afirmou meio animado, com gírias que
não foram entendidas por Varis.
— Vamos pescar? — Perguntou o elfo, tentando
entender o que tinha ouvido.
— Não, imbecil! — Respondeu Cérbero de forma
ignorante. — Vamos matar um demônio.
— Demônio? Tipo Lúcifer?
— Deixa de blefe inútil. Eu sei que do seu
grupinho de elfos você é o mais vivido.
– Bem, isso é de fato verdade. – Varis concordou, vagamente inquieto. – Mas que tipo de demônio?
– Isso temos que ver ainda, mas não se preocupe,
mais que um nível cinco não vai ser... – Cérbero parou para pensar
momentaneamente. – Eu acho.
– Eu não dou conta de um nível quatro direito...
– Varis afirmou meio receoso.
– Pra tudo tem uma primeira vez, relaxa.
Ao olhar para o horizonte, eles viram a montanha a
poucos quilômetros. Ela era gigantesca, e podia ser vista facilmente daquela
distância e se destacava de imediato, sendo a única montanha no meio do nada.
Ela tinha um estranho formato cilíndrico que
terminava em um pico, algo semelhante a um pequeno espinho gigantesco. Ele era
rodeada por enormes e grossos muros.
Dentro dos muros o inimaginável se provara
possível com uma das partes inferiores da montanha sendo completamente esculpida, que agora era
sustentada por inúmeras torres de pedra que serviam como pilastra, nisso uma
divisão notória entre o lado claro da cidade e o residente das sombras da montanha.
O lado claro era onde as pessoas de baixa renda
e valor social moravam, em sua boa parte trabalhadores ou até mesmo guardas
mundanos. Em contrapartida, a parte escura agregava os mais ricos e influentes
moradores, além de possuir o portão de entrada para a fortaleza interna.
A cidade que agregava todas essas construções
peculiares e arquiteturas estranhas era chamada de Monssolus,
cidade que era protegida e governada pelos Cavaleiros Negros e adorada como
capital e sua sede principal.
A carroça que levava Cérbero e Varis parou em frente ao enorme portão de madeira grossa, semelhante aos de outros reinos
vistos pelos dois em épocas passadas. Uma saída paralela vagamente menor e mais
discreta para evitar uma circulação exagerada de pessoas.
Ao verem o veículo parado, dois guardas foram
conferir quem era o proprietário da carroça, já que aquela não era a rota de
entrada padrão da cidade.
As armaduras em tom preto com o brasão de um
cavalo a frente de um escudo estampado em tinta branca no peito. Eles estavam
com um elmo que cobria completamente seus rostos.
Preocupado, Varis decidiu ir para dentro da
carroça em tentativa de se esconder, ato que não fez a mínima relevância. Os
guardas que marchavam rumo à carroça pararam a alguns metros ao ver o sorriso
de Cérbero que os apavorou, deixando-os trêmulos.
— Pode entrar! — Gritou um dos guardas, que teve como resposta a abertura do portão.
— Certo, vamos entrando! — Disse Cérbero,
batendo a rédea fazendo o cavalo andar e puxar a carroça consigo.
Varis, menos apreensivo e mais confiante, decidiu colocar sua cabeça para fora e visualizar a cidade que o encantou, o deixando
pasmo.
A visão da pedra lisa da montanha, que era cortada
e sustentada por pilares de pedra, que abrigavam outros Cavaleiros Negros, o
surpreendeu ao máximo.
As casas eram feitas de pedra talhada,
intensificando o aspecto rústico do lugar. As pessoas que por lá passavam,
pareciam estar de bem com a vida e sem nenhuma preocupação.
As raças eram mistas ao extremo, não haviam
restrições para cor, tamanho e aparência, todo tipo de pessoa circulava por lá,
seja ela um elfo, humano, anão ou outras raças incomuns.
— Monssolus, boa e velha. – Começou a explicar
Cérbero, chamando a atenção de Varis. — Construída a quarenta e cinco anos atrás
pelo antigo líder dos Cavaleiros Negros, possui o maior poder bélico e os
soldados mais fortes das Américas supostamente. Também é a sede do primeiro
esquadrão dos Cavaleiros Negros que conta com quase vinte mil soldados, e da
quarta divisão que conta com apenas um soldado.
— Apenas um? — Questionou Varis, ainda surpreso
com o local.
— É, eu sei. É estranho. – Disse Cérbero, omitindo vagamente a complexidade dessa trívia.
— E isso tudo pode acabar com o cair da montanha
nessa cidade. — Ironizou o ladino rapidamente.
— As pilastras são tantas que a falta de uma ou
duas não causaria impacto... – Cerberos afirmou lentamente, enquanto direcionava
a carroça. — Aliás, a montanha possui um castelo dentro
dela.
— Hum? Espera, então você está dizendo que
dentro dessa montanha tem um castelo? – Varis questionou surpreso e pondo a
cabeça para fora da carroça para ver melhor as coisas.
— Bem... algo que pode ser considerado um
castelo, ou um forte talvez. É nela a onde fica a sede dos Cavaleiros Negros. — Explicou Cérbero calmamente. – Mas nós não vamos nele hoje.
— Não? Então aonde vamos?
— Uma loja de minérios, também temos que ver uma
pessoa.
— Só isso? – Varis perguntou de forma pensativa, voltando para dentro da carroça. – Pensei que íamos ver um demônio.
— É depois que a diversão começa, garoto. – Afirmou
Cérbero de forma minimamente questionável.
A carroça passou entre as ruas movimentadas
pelos moradores da peculiar cidade, inúmeras lojas com vitrines chamativas roubaram
a atenção de Varis por breves instantes.
Em poucos minutos, no distrito comercial que
ficava no centro entre a parte clara e a escura da cidade.
— É aqui. – Afirmou Cerbero, após parar a
carroça.
Varis olhou para a loja a sua direita e viu um
lugar modesto, feito de pedra igual a todas as construções da cidade. Sua
vitrine era feita de inúmeros cartazes que se assemelhavam aos avisos de
bandidos à solta, mas ao invés de pessoas, os cartazes pediam minérios.
O elfo passou os olhos rapidamente por eles e leu
palavras soltas como “Precisa-se”, “Carvão”, “Pó de ouro” e etceteras. Ao
entender do que se tratava, Varis olhou para Cérbero, que já estava
abrindo a porta da loja.
O ladino pensou momentaneamente em escapar, mas
lembrou da noite anterior e descartou a ideia.
Ele desceu da carroça e abriu a porta da loja de
minérios. Ao entrar, conseguiu a visão de Cérbero que já conversava com o
atendente, um velho senhor com cabelos grisalhos e um robusto bigode branco.
Em uma ação rápida, ele se dirigiu ao canto
direito do cubículo que era dividido pelo balcão do atendente e se escorou na
parede.
— Quem é ele? — Perguntou o velho senhor a
Cérbero, que já estava sacando um saco de dinheiro de dentro de sua roupa.
— Um novato. — Respondeu o caçador, tirando junto
com o saco de moedas um papel velho. — Estou levando ele para uma missão de
campo.
— Entendo, mas ele não é muito jovem para uma
missão? — O senhor pegou o saco de moedas e em seguida começou a ler o que
havia escrito na lista.
— Ele pode até ser jovem, mas deve ser melhor
que um cavaleiro comum na média. — Cérbero olhou para Varis, que aparentava
estar com tédio de ter que esperar. — Pelo menos eu acho.
— 500
Gramas de prata, 350 gramas de vidro, 5 lascas medias de esmeralda ou diamante,
100 gramas de sal e uma pedra redonda. — Leu o senhor, anotando o preço de
tudo que havia sido listado. — Ganancioso como sempre, vai lhe custar cinco mil
moedas.
Varis se impressionou, tanto pelo pedido quanto
pelo valor do mesmo.
— No saco tem dez mil. — Respondeu Cérbero rapidamente. — Pode ficar com o troco.
Varis se impressionou mais uma vez.
— E traga tudo dentro de um saco único. — Acrescentou
o caçador. — Não vou precisar separar eles mesmo.
— Certo, só um momento.
O senhor deu meia volta e saiu calmamente por
uma porta que havia atrás do balcão.
— Dez mil! — Exclamou Varis indignado. — Você
gastou dez mil!
— Algum problema? — Perguntou Cérbero, sem se
importar.
— Sim! Você gastou dez mil e ainda deu o troco
para aquele velho!
— E...? — Debochou Cérbero.
— E...? Você está perdendo dinheiro, você não
vê?!
— Na verdade eu não ligo para o dinheiro. — Explicou o caçador, se virando para Varis de forma calma e serena. — Quando você
for mais velho irá entender o quanto o apego com bens materiais é inútil.
Varis apenas se inquietou um pouco com a frase
que, mesmo genérica, era de um bom cunho, sem ter como responder, ele decidiu ignorar o caçador.
— E além do mais, o dinheiro era do rei, não
meu. – Finalizou Cérbero, com um grande “não é problema meu”, cortando
completamente a lógica da frase anterior. – Pra missões me dão a suposta
quantia do que precisar comprar gastar, como nessa é uma missão simples, eu
posso deixar o dinheiro de excesso para trás.
– Certo... – Afirmou Varis, com uma leve raiva da mentalidade de Cérbero.