As ruas de Monssolus eram movimentadas, como toda
boa capital. Por ela, diversas pessoas de várias raças circulavam. Elfos e
humanos eram os que mais se destacavam, como sempre.
Em meio à movimentação de final de tarde, um homem
se via perdido no meio de todos a sua volta.
Um humano careca estava coberto por um manto
branco sujo de terra, em suas costas, ele carregava uma enorme e volumosa
mochila que escondia seu arco e sua aljava.
Com os olhos focados nas placas dos
estabelecimentos da zona comercial, o homem, depois de muito tempo, finalmente
encontrou o que estava procurando.
Uma humilde pousada numa boa localidade – entre
a parte clara e escura da cidade.
Ao adentrar o local, ele se deparou com um
grande saguão com uma escadaria rústica, a poucos metros dela, um balcão de
pedra era vigiado por uma velha e gentil senhora de cabelos grisalhos com uma
cicatriz estranha na bochecha esquerda.
A presença do estranho demorou a ser percebida
pelos velhos olhos da recepcionista, que o percebeu quando o mesmo fechou a
porta de pedra do lugar, fazendo um pequeno estouro.
— Sim, meu jovem? — Perguntou a velha senhora,
guardando um livro que estava lendo em baixo do balcão e se levantando
lentamente para atender o possível cliente.
— Gostaria de alugar um quarto. — Respondeu o
homem calmamente, se aproximando do balcão. — Mas antes, queria saber uma coisa.
— Pergunte.
— Essa pousada possui uma biblioteca?
A pergunta deixou a senhora pensativa por alguns
instantes.
— Sim possui. – Ela afirmou, apontando para uma
das portas do local.
— Perfeito. – Ele disse pra si mesmo. – Então
quero alugar um quarto por uma semana.
A mulher sorriu e pegou um caderno no balcão,
abrindo-o e pegando uma pena que teve a ponta mergulhada em um pote de tinta
preta.
— Nome? — Perguntou a senhora.
— Jameson, Jameson Frankenstein. — Respondeu o
homem, com leve orgulho em sua fala.
Os olhos da velha mulher arregalaram, ela sentia
que já tinha ouvido aquele sobrenome em algum lugar, focando na face do homem,
que aparentava ter trinta anos de idade e nenhum pelo facial,
incluindo sobrancelhas.
— Você é um duque da nobre família Frankenstein?
— Perguntou a mulher, levemente impressionada ao lembrar das origens do
sobrenome icônico do continente.
— Talvez eu seja. – Respondeu Jameson, com leve
ironia.
— Eles já estão todos mortos pelo que me lembre,
você pode conseguir uma boa quantia se reclamasse a herança.
— Não preciso de mais fardos pra carregar. – Ele
afirmou, seguido de um riso amigável. – Por sinal prefere receber em moedas ou
em joias?
— Como?
— O quarto.
— Ah! Sim! — A senhora retirou a pena do pote de
tinta e escreveu no caderno tudo de necessário para o registro do homem. —
Serão trezentas e cinquenta moedas, quinhentas e cinquenta com café e jantar
incluso.
— Faça o segundo. — Disse Jameson, retirando de
seu bolso um saco com moedas.
Após contar o dinheiro que lhe foi entregue, a
senhora entregou uma chave com um chaveiro de madeira com o número seis
talhando.
O homem agradeceu e pegou a chave, se dirigindo
para as escadas para ir ao seu quarto.
— Senhor Frankenstein, espere! — Gritou a
mulher, não deixando Jameson completar a ação. — O café será servido duas horas
após o nascer do sol.
— Obrigado. — Respondeu o homem com um sorriso
simpático, virando de costas e continuando a subir a escada. — E a propósito,
me chame de James, não gosto de tanto glamour para uma denominação tão banal.
James subiu até o final dos degraus, se
deparando com um pequeno corredor que possuía seis portas - três de cada lado-,
sendo a última, a sua.
A luz da lua penetrava o ambiente, entrando pela
janela que se localizava do lado das portas de número três e seis.
A paisagem da parte mais humilde da capital era
iluminada pela lua, isso acalmou a mente de James, que havia se preocupado muito
no dia com a caminhada até o local e a entrada na cidade.
As enormes torres e construções de pedra eram
algo que nunca tinham sido vistas por ele, que já passou por inúmeras
cidades estranhas e já possuía inúmeros conhecimentos sobre plantas, animais,
arquitetura, matemática, enfim, ele era praticamente um eremita que buscava
cada vez mais conhecimento.
Com um caminhar exausto e com um leve girar da maçaneta, James abriu a porta do quarto e já percebeu que o lugar tinha muita
qualidade.
A cama estava bem arrumada, o quarto era decorado com uma estante que
abrangia livros velhos e empoeirados, um tapete feito de palha e lã e uma mesa de centro que possuía um candelabro de pedra com
detalhes em madeira.
A mochila foi tirada das costas e jogada no
final da cama, logo em seguida, James colocou gentilmente suas armas na mesa de
centro, enquanto acendia o candelabro com uma pedra de fogo que guardou logo em
seguida.
Seu arco era um belo exemplar de uma arma feita
inteiramente de um aço e ferro único.
Tanto a estrutura quanto a “corda” que puxava as
flechas eram feitas de materiais metálicos que haviam sido forjados por grandes
especialistas, garantindo mais força no puxar de uma flecha, resultando em maior
velocidade do projétil e consequentemente um maior dano.
Seu manuseio era rápido e suave. O material
metálico substituiu perfeitamente a madeira e linha visualmente semelhante a de
um casual arco longo comum.
As
flechas eram clássicas obras básicas e amadas por qualquer arqueiro. Um palito de madeira resistente com penas em
seu final e uma pirâmide laminar em sua ponta.
Elas estavam dentro de uma caixa retangular de ferro
leve, que não atrapalhava sua movimentação e que possuía uma tampa de barragem
para não escaparem ocasionalmente.
Depois de alongamentos e reflexões James se deitou na
cama e repousou calmamente enquanto o tempo passava.
A noite passou em instantes e logo ao amanhecer
do dia, a velha senhora levou uma bandeja de comida para James.
Com as suas mãos trêmulas, ela caminhou até a
escadaria, mas se surpreendeu ao ver a porta da biblioteca aberta.
As enormes estantes cheias de livros e as
poltronas vermelhas de veludo estavam servindo de entretenimento para o
arqueiro, que estava quieto lendo um livro qualquer.
A figura da velha senhora observou o rosto
reluzente de James, que teve sua concentração tomada e que se viu obrigado a praticar
a gentileza de ajudá-la, assim como um bom cavalheiro faria.
Fechando
o livro e memorizando a página que havia parado, o homem se levantou e se aproximou
calmamente da senhora, que percebeu a intenção do hóspede.
— Precisa de ajuda? — Perguntou James, se
oferecendo a ajudar casualmente.
— Me sentiria bem se você pudesse. — Respondeu a
velha senhora, estendendo a bandeja para o arqueiro que a levou para seu quarto.
Após a refeição, James desceu novamente para o
saguão, encontrando a mulher que estava lendo o mesmo livro que ele havia
pegado no dia anterior.
O arqueiro deixou a bandeja no canto do balcão e
colocou um sorriso causal no rosto.
— Quando acabar, por favor, me empreste esse
livro. Parece ser bom. – Ele falou de forma amistosa e suave.
A senhora sorriu em resposta ao ver James e fechou
o livro, o colocando em cima da mesa.
Levando a bandeja para um quarto que ficava
atrás do balcão, a senhora sumiu da vista do arqueiro.
James pegou o livro e decidiu voltar para a
biblioteca, onde lá ficou por mais alguns minutos até ser chamado a atenção pela
velha mulher que tinha voltado do quarto.
— Você é um escritor? — Perguntou a mulher para
o arqueiro, que deixou o livro que estava lendo.
— Como? — Perguntou James, virando sua atenção
para o saguão, se movendo até ele.
— Você parece ser alguém ligado à leitura e a
viagens. Características peculiares e parecidas com as de escritores que eu já
conheci.
— Lamento decepcioná-la, mas eu não sou nenhum
escritor. — Respondeu James, se escorando na parede ao perceber que iria começar
uma conversa com a senhora.
— Então por que aparenta ler tanto? – Ela
questionou, intrigada. – O que lhe trouxe para essa pousada fora a biblioteca,
não é mesmo?
— Minha vida inteira se resume em praticar
pontaria, observar lugares e, o que mais me fascina é conhecer e aprender
coisas novas. – James fechou os olhos em uma posição que esbanjava gentileza e
confiança. – Não há lugar melhor para ver conhecer coisas novas do que em
livros?
— Gostos peculiares para um jovem como você. Me
diga, o que lhe traz ao leste da América?
— Queria aprender mais sobre os Cavaleiros
Negros e sobre a região em geral. – Voltando a pose original, ele continuou a
falar. – Poderia me contar o que sabe?
— Sim, eu acho... — A senhora olhou para o teto,
relembrando sua juventude. — Pode não parecer, mas eu era a capitã da terceira
divisão dos Cavaleiros Negros quando jovem.
James se impressionou por estar falando com uma
mulher que fazia parte na história do país. A face do arqueiro ficou mais
séria, os olhos mais focados e os ouvidos mais atentos as palavras da mulher.
— Era conhecida como “Capitã Bellator, a
Pico-de-Invasão”. Fui general da terceira divisão por quase 30 anos, mas tive
que me aposentar aos meados dos sessenta anos de idade.
— Pelo menos, você não parece estar tão ruim. — Afirmou
James, olhando para o rosto enrugado e pacífico da mulher que era lendária
naquele lugar.
— É, você está certo nesse ponto. — Concordou a
senhora com mudanças minuciosas em sua face e um riso breve. — Mas uma pousada
numa zona privilegiada do centro comercial da cidade até que é bom, mas queria
realmente ter continuado nas tropas de Kaplar, hoje em dia eles estão ficando
mais fracos.... Se bem que, depois do que aconteceu lá, é melhor ter ficado
fora das questões do clã.
— Hum? — Questionou James, estranhando a frase da
senhora. – Como mais fracos?
— Bem... – Ela se pôs a pensar vagamente. – Apenas
três dos seis capitães usam Davi Golias, isso sem contar os dois sacerdotes e o
capitão, os soldados estão quase na mesma.
— O que seria isso?
— Ah! É mesmo! Essa técnica não é comum em
outros lugares, chuto que nem é mais citada em regiões adjacentes. — Lembrou à senhora, pensando em voz alta. — Davi Golias, é o nome dado a uma combinação de armas,
uma leve e uma pesada. Normalmente uma espada e um machado ou uma maça e uma
marreta, coisas do tipo. Foi pensado com inspiração em um conto cristão que
falava sobre um homem que matou um gigante.
— Entendi. — James pensou sobre esse
combo de armas. — Mas isso não exigiria coordenação motora e força física ao
extremo de quem a utiliza?
— Por isso que é boa. A junção de poder bruto
com a capacidade de moldar situações é excelente. — O tom de voz da mulher se
animou ao descrever a técnica, mas logo virou um tom triste e arrependido. — É
uma pena que ele está se perdendo com o tempo.
— Concordo. – James mudou seu tom amigável para
um sério e extremamente focado. – Outra pergunta, o que você sabe sobre o
Caçador?
— Temos muitos caçadores no país caso queira
saber... – Bellator afirmou, vagamente desconfortável com a pergunta.
— Não, sendo mais específico, o que você sabe
sobre “O Caçador”?
A mulher
se inquietou por um breve momento, suas mãos começaram a tremer e sua voz a
gaguejou vagamente, as lembranças chegaram lentamente em sua memória.
— O-O Caçador... a
lenda urbana? — Questionou a velha senhora de forma fria e analisadora, com um
leve receio. — Por que você quer saber dele?
— Queria conhecer mais sobre sua história,
principalmente o porquê de todos o temem. — Respondeu James de forma fria e
calma.
A mente de Bellator se acalmou e ela retomou a
postura. As lembranças vieram como uma leve brisa gelada que lhe arrepiou, mas
ela camuflou todo nervosismo de forma profissional.
— Há muito tempo um homem chamado de “Caçador”
foi registrado em contos de fora, virando rapidamente personagem de livros em
diversas áreas da região. – Ela começou a recitar de forma desconfortável ao
recordar fatos. – Eles relatavam ele como um homem de vestes vermelhas e olhos
reluzentes. Ele era forte, usava poderes mágicos e técnicas de combates
avançadas, mas claro que, no fim, ele não passou de uma lenda se misturando ao
folclore local.
Ela parou brevemente para engolir saliva.
— Nunca sequer vimos um ser tão forte assim nem
nos Cavaleiros Negros. – Ela finalizou de forma mais calma, como se o perigo já
tivesse passado.
— Então você não sabe de nada diferente. — Reclamou
James, vagamente decepcionado.
— Como?
— Essa história, eu já ouvi ela em outros
lugares. Todos tem uma versão, mas ninguém sabe ao certo o que aconteceu com o
Caçador, apenas lendas, boatos e contos. – Retrucou o arqueiro, decepcionado com as palavras da senhora. – As únicas coisas diferentes que eu
ouvi desde a última vez foi que ele tinha sido visto nessa região décadas atrás e que a dois meses, nas ruas dessa cidade, um homem de manto
negro usou um feitiço que possuía vagas semelhanças com a lenda.
O receio tomou conta da senhora, que não foi
relatada oficialmente sobre o caso do feitiço, mantendo isso apenas como um
rumor.
— Por que quer saber tanto
sobre ele? – Ela questionou intrigada, temendo o que teria como resposta.
— Eu não tenho muito porque viver e queria obter
o máximo de conhecimento antes de minha morte. — Afirmou James com leve tom de
desânimo e um humor seco.
— Então é por isso que viaja e lê tanto? — Perguntou
a senhora, intrigada.
— É, pode se dizer que sim.
— Mas você ainda é jovem, vai encontrar um
motivo para viver, tenho certeza. — Encorajou a mulher, tentando animar o
arqueiro, mas falhando.
— Não sou tão jovem assim, mas obrigado. — Contrariou
James, recuperando o ânimo aos poucos.
Uma segunda análise foi feita por Bellator que o
encarou por alguns segundos.
— Me diga, qual a sua idade? – Ela perguntou.
— Você não acreditaria se eu contasse. — Falou James, em um tom vagamente cômico.
— Não, pode confirmar se não falou ainda.
Uma leve pausa foi feita pelo arqueiro, que focou completamente seus olhos nos da senhora.
— Eu tenho setenta e oito anos. — Respondeu
James com um tom incrivelmente sério, desconexo com o ânimo anterior. Era
visível em sua face que aquilo não era uma piada.
A mulher ouviu a alegação, o tom sério para ela foi quebrado e a mesma logo começou a rir levemente.
— É você estava certo, eu não acredito em você.
— Afirmou a senhora, escondendo o riso com sua mão já calma.
— Eu sabia. — Respondeu James em um incrível bom
humor e quase rindo junto, como se já estivesse acostumado com aquele tipo de
resposta.
Os dois riram vagamente após isso.