A porta de madeira do orfanato foi destruída com
um forte e violento golpe de espada de Edward, que abriu caminho pela
construção de dois andares, o fogo se alastrava pelos móveis e os queimava, mas
as partes de pedra da estrutura se mantinham em pé apesar das chamas ardentes.
Aos poucos, a fumaça tóxica tomava conta,
fazendo o oxigênio do lugar ficar cada vez mais escasso.
Mesmo com o pânico ao seu redor e as
desvantagens do local, Edward se manteve forte e de peito erguido perante as
dificuldades que deveria encarar para cumprir o objetivo em questão.
— Precisamos salvar as crianças! — Edward gritou, apontando com sua espada para a escada e corredor que davam ao dormitório das
crianças.
Sem nem ao menos uma resposta de apoio, o
paladino já se pôs a correr na direção que tinha apontado. Suas preocupações só
aumentavam à medida que o mesmo sentia a energia local aumentando cada vez mais
e mais, se expandindo a níveis acima do que já havia presenciado com Parysas.
Porém, as duas possuíam uma estranha sincronia.
— Certo! — Concordou Varis, o seguindo
rapidamente.
Em meio aos degraus que rangiam ferozmente,
ameaçando desabar a qualquer momento, Varis acabou parando completamente.
Sua respiração começou a pesar, e nenhum de seus
músculos conseguia se mexer. O ladino acreditava que aquilo era receio, mas
logo excluiu essa possibilidade quando sentiu a irritação de seus olhos tomar
conta devido a pausa eterna das pupilas que se recusavam a piscar.
Por milagre, o mesmo ainda conseguia sentir o ar
a ser puxado e expelido de seus pulmões, mesmo que esse ar estivesse
contaminado com fumaça, o que talvez resultasse em asfixia.
A dor em sua alma tomou conta aos poucos.
Sentindo uma tormenta absurda e invisível, ele começou a dar tudo de si para
que pelo menos conseguisse mexer um dedo, mas não teve nenhum sucesso.
O ladino
se encontrou desesperado, completamente imóvel na escada enquanto Edward a
subia.
Nos últimos degraus que davam em um corredor de
pedra com escombros de madeira caindo, o paladino olhou para trás e percebeu
Varis imóvel na escada.
— Varis! Vamos! — Reclamou Edward, chamando a
atenção do ladino, mas recebendo o silêncio como resposta.
O olhar raivoso e preocupado do Paladino se fixou
nos olhos negros e vermelhos do amigo que encarava o horizonte, nem ao menos
mudando o foco de seu olhar.
— Varis! — Edward continuou a reclamar enquanto guardava
sua arma e pensava vagamente em voltar as escadas e puxar o ladino, mas um ranger
de porta chama sua atenção. Ele se virou rapidamente e de imediato viu um vulto
preto a sair por ela.
— Ele não vai lhe ouvir... — A voz tomou o foco
do paladino por completo, ele reparou de imediato que aquele era o dormitório
das crianças.
Os gritos de ajuda dos pequenos que saia da
fresta da porta ecoavam tanto pelo orfanato e pela mente de Edward, que
deixou seus princípios de lado e deixara que a raiva tomasse conta de si
naquele momento.
Quando a
porta foi aberta por completo, ela revelou o inimigo. Um homem de dois metros
coberto por uma capa preta que escondia completamente seu rosto.
Em meio à escuridão de sua face algo se
destacava, dois brilhos vermelhos eram emanados em formato de dois riscos que
se assemelhavam a dois olhos humanoides.
A aura que o mesmo possuía era sombria e densa,
sentida friamente pelo paladino que, mesmo assustando, não aparentava medo ou
receio, apenas força de vontade.
— A essa altura, o seu amigo elfo já deve estar
em um estado semelhante ao de paralisia do sono. — O homem encapuzado afirmou
rindo vagamente. Sua voz calma e doce era completamente diferente do demônio
que hasteou fogo na cidade, mas não deixava de ser assustadora se vista de
certo modo.
— Quem é você!? — Perguntou Edward, já preparando
uma rota de ataque.
— Não importa quem eu sou. – o homem se
aproximou cada vez mais do paladino. – O que importa é o que eu posso fazer.
Saia antes que eu lhe entregue ao Senhor!
— Senhor? — O paladino naquele ponto já possuía
um plano em mente, só faltava realizá-lo.
Os dois estavam parados com a distância de um
pouco mais de 4 metros entre eles.
Edward acumulava sutilmente a energia mágica em
suas mãos enquanto o homem de preto continuava encarando tudo.
— Não importa... — O brilho no rosto do ser
começou a se expandir, criando labaredas roxas que tomaram completamente seus
braços. Direcionando a magia para suas mãos, ele formou uma argola flamejante
em pleno ar.
O fogo aos poucos estabilizou e se moldou em uma
foice negra do tamanho de Edward. Sua lâmina curvada parecia poder cortar qualquer
coisa de tão afiada. A energia mágica da mesma era extremamente poderosa.
— Se quer lutar, então, acabemos isso de uma
vez. – O homem afirmou enquanto empunhava a arma.
Com apenas a mão direita, o homem de preto manuseou
a arma.
Os dois se encararam rapidamente e começaram os
avanços para o combate.
Rapidamente o inimigo se aproximou de Edward, que
previu o ângulo de sua foice e a bloqueou com seu escudo, fazendo os metais se
chocarem e emanarem pequenas faíscas.
Porém, somado com seu ataque
com a arma, o homem de preto se aproximou perto o suficiente do paladino para dar
um soco em seu escudo.
Uma enorme massa de magia foi
emanada do punho do inimigo que, com apenas um movimento desarmado, jogou
Edward meio metro para trás. Mantendo-o em pé, mas com sua defesa quebrada.
Novamente o homem de preto
avançou e, com a defesa do paladino quebrada, ele não teve dificuldades em
acertar em cheio sua armadura que recebeu um corte em seu peito tão potente que,
além de atravessar o metal e a cota de malha, deixou a pele com hematomas.
Tal ataque fez Edward grunhir
de dor. Ele olhou para seu peito e sentiu sua coagulação sanguínea mudar
vagamente por baixo do peitoral de metal, Edward compreendeu o que deveria fazer.
Sua mente focada em sentimentos agressivos não serviria de nada naquela
situação.
Seus princípios eram proteger
sua filha, mas o próprio reconheceu que isso era apenas uma máscara para seu
real desejo. Edward queria matar o inimigo.
O simples perceber disso,
bagunçou a sua mente de forma que bizarramente a colocou de volta no lugar.
O homem de preto realizou
outra investida, mas dessa vez Edward sabia o que fazer.
Quando o inimigo estava a
alguns centímetros de lhe acertar, Edward mergulhou com seu corpo e, com um
gancho feito com seu escudo, golpeou o estômago do homem de preto.
A instabilidade e foco do
paladino não alteraram apenas suas ações para algo mais rápido e lógico, mas
sim estabilizaram suas magias.
Mesmo não revelando chamas
como na luta com Varis, o gancho com o escudo foi um potente ataque mágico,
tanto que resultou na projeção do homem de preto para o fim do corredor.
A foice do homem foi perdida
em sua queda pela contração de seus músculos.
Edward, após ver o inimigo
caído, pegou a arma negra, sentindo outra energia divina emanando dela –
definitivamente não era o mesmo que ele sentia com suas magias, mas era vinda
de algum Deus ainda vivo – e a jogou em direção ao homem de preto no final do
corredor.
– O que? – Ele questionou, se recuperando do impacto e vendo sua arma a ser devolvida.
– Pegue-a. – Edward afirmou se estabilizando.
– Por quê? – Após realizar o
pedido do paladino, o homem de preto o encarou confuso e receoso.
– A injustiça de lutar com um
oponente desarmado mancha meus princípios e minha alma. – Afirmou Edward, reunindo energias para invocar uma magia de apoio. – Não poderia conviver
comigo mesmo se cometesse tal injustiça.
– Humano... – O homem de
preto voltou a posição de combate rapidamente. – Não irei ter piedade de sua
alma, muito menos de seus conhecidos que serão esquecidos, mas digo-lhe que vai
ser uma honra terminar essa batalha com você.
Edward reconheceu as crenças
e princípios de seu inimigo, mesmo as repudiando completamente, ele não poderia
culpá-lo por tê-las, mas também não podia permiti-lo realizar os objetivos
impostos por ela.
Os destroços do telhado caiam
próximos ao paladino, que os ignorou e continuou a recitar sua magia mentalmente.
Ainda em chamas, apesar da
chuva, a madeira teve seu fogo sugado para as mãos do paladino, que expandiu sua
aura para suas armas. Em questão de segundos, o escudo e espada de Edward foram
envolvidos por uma pequena camada de um fogo verde esmeralda.
A respiração do paladino mudou
de padrão, ficando mais instável e espaçada. Mesmo com seus 3 meses de
treinamento excessivo, a magia que conseguia controlar ainda era fraca se não
fosse forçada pelo usuário.
Dividir as suas capacidades
em três ou cinco vezes ao dia a tornava meio fraca, mas usando toda a
capacidade da magia de uma única vez a tornava extremamente forte.
Porém, as limitações físicas
de Edward e o que a situação pedia naquele momento induziam a ideia de usar
toda capacidade de uma única vez.
O paladino correu em direção
ao homem de preto, tendo sua espada chocada com a contra lâmina da foice de seu
inimigo.
Com o colidir das armas, o
fogo verde sobrepôs a aura da foice.
O cheiro de metal queimando
se misturou com a foice ficando extremamente vermelha com detalhes laranjas.
Em questão de segundos, a
espada acabou por derreter a lâmina inimiga, transformando a foice em um bastão
com uma lâmina curta e derretida.
Após terminar o corte que
derreteu a arma inimiga, Edward finalizou seu corte rasgando vagamente o manto
negro do inimigo.
O simples rasgo da veste foi
o suficiente para que as chamas verdes se espalhassem pelas suas roupas, as
queimando rapidamente.
Antes que sua roupa o
ferisse, o homem de preto arrancou rapidamente seu manto e o jogou para longe,
revelando sua face.
Ele era de fato um humano,
mas seu rosto possuía tumores em sua testa como se fossem chifres em formação.
Decorando sua face, estavam veias roxas e uma pele azulada, como se o mesmo estivesse perdendo oxigênio para estar naquelas condições.
– Então os brilhos eram de
fato teus olhos... – Comentou rapidamente Edward, mantendo a postura de
combate.
O homem de preto, agora com a
face a mostra, empunhou o cabo da antiga foice a envolvendo novamente em chamas.
Após alguns segundos ele a transformou em uma lança improvisada.
Edward percebeu as intenções
do inimigo, que disparou em sua direção com a lança mirada em seu ombro. No último instante, o paladino bloqueou o ataque com seu escudo, mas um movimento
inesperado lhe pegou de surpresa.
Após atingir o escudo de
Edward, o homem de preto manuseou a lança como se fosse um bastão, pegando em
seu meio e a girando de uma forma que seu final terminasse em um local
privilegiado.
Após o posicionamento, o
final da lança golpeou a armadura de Edward fortemente, quase conseguindo a
perfurar.
A deformidade na armadura
causada pelo impacto arranhou internamente a pele do paladino, provocando mais
alguns cortes, que foram somados com o ferimento anterior.
Nisso as chamas de Edward
começaram a ficar fracas e instáveis. A mente do paladino estava frustrada
consigo mesmo.
Após três meses de treinos
diários, dedicando até mais de oito horas por dia no treino da magia, tudo que
conseguiu foi mantê-las estáveis normalmente, mas não sob pressão.
Ofegante e perdido em seus
próprios pensamentos, o paladino desviou o olhar para a porta do dormitório.
Ele percebeu de imediato um aglomerado de crianças, entre elas Crist. Todas
estavam bem e em segurança.
Esse simples fato alegrou o
paladino, que encarou novamente o inimigo.
Ele refletiu sobre o mundo em
volta, sobre o que estava fazendo e sobre o que precisava fazer.
Respirar fundo, Edward
largou sua arma e escudo.
Todos os pontos de incêndio
do lugar viajaram em sua direção como nuvens de labaredas e fumaça. Seu escudo e
espada perderam as chamas esmeraldas, em contrapartida, o mesmo efeito foi formado em seu punho direito.
O homem de preto arregalou
seus olhos sem vida e segurou a lança precisamente, já prevendo o ataque do
paladino.
Durou alguns segundos. Edward
correu três passos e uma explosão de fogo o impulsionou para frente de maneira
surreal.
Quando sentiu seu corpo
novamente ele percebeu o buraco em baixo de sua costela a onde residia a lança
do inimigo. O objeto não doía, mas ele não podia afirmar com certeza, afinal
não sentia nada à sua volta.
Em sua frente, o homem de
preto estava arregalando os olhos e cuspindo um sangue grosso pela boca.
Quando olhou para onde estava
seu braço, Edward percebeu que havia afundado seu punho no coração do inimigo,
tudo enquanto as chamas verde esmeralda o acompanhavam.
Aos poucos, a lança fincada
em seu corpo estava virando cinzas, em sincronia o inimigo teve os batimentos
cardíacos cessados.
O paladino desejava mais do
que tudo se mover em direção aos dormitórios e ver sua filha, mas ao primeiro
movimento dado com o pescoço, seu corpo desmoronou.
Olhando o teto desmoronado do
orfanato, a chuva o molhava. O sangue misturou-se com a água vagamente.
As
nuvens moldando-se em figuras abstratas foram as últimas visões do paladino que
fechou os olhos involuntariamente e perdeu a consciência em segundos.