Varis acordou em uma espécie de dimensão negra
alternativa, tudo era um breu completo.
Confuso, o elfo negro começou a vagar empunhando
suas armas.
O escuro começou a se iluminar com uma fumaça
branca cintilante que dava pouca visão do lugar.
Os olhos do ladino se movimentavam rapidamente
pelo lugar, fazendo um zig zag pela fumaça, tentando encontrar alguma coisa.
Objetivo esse que havia cumprido.
Uma calda fina e comprida de lagarto rastejava
no chão, como uma de cobra negra. O pensamento de Varis já concluiu que aquilo
poderia ser uma ameaça, mesmo não identificando ao certo o que era.
Sua adaga foi jogada e cortou a distância entre
ele e a calda que desviou do ataque se movendo rapidamente para a esquerda,
fazendo a adaga bater no “solo” do local.
— Não adianta lutar... — Uma voz começou a ecoar
nos horizontes do universo negro que o elfo estava. Ela era semelhante à de
demônios que já havia ouvido nas missões que participara com Cérbero.
— Quem está aí!? — O ladino inquieto olhou ao
seu redor, enquanto empunhava suas armas.
— Você realmente quer saber, senhor Dol. Edgar
Varis? — A voz em um tom amedrontador o questionou.
O ladino parou brevemente, mas logo tomou
coragem.
— Sim, eu quero! — O receio em seu ser era
grande e o âmago do medo só crescia.
Um ser humanoide esguio surgiu em meio às
sombras e névoas. Medindo o dobro da altura do ladino e possuindo a pele negra
com detalhes e rasgos em vermelho escarlate.
Ao caminhar lentamente em direção a Varis, os
seus detalhes vermelhos moldam-se em espinhos e chifres, deixando o ladino
imóvel perante aquilo.
Olhando a boca grotesca do demônio, ele o viu
passando a sua língua que se assemelhava a uma lacrai entre seus os dentes
pretos com pequenas manchas de sangue, usando as patas da língua para limpar as
sujeiras maiores.
Antes que o demônio desse mais um passo, um
balançar dimensional o parou completamente.
— Varis, acorda! — Gritos ecoaram pelo mundo
negro e o iluminavam lentamente, causando um fim a escuridão.
O demônio foi desintegrado aos poucos, mas o
olhar continuava fixado nos de Varis de forma amedrontadora enquanto desaparecia aos
poucos.
Varis abriu novamente os olhos e não reconheceu
mais o ambiente a sua volta.
Uma sala de pedra com uma cama de madeira em que
ele estava deitado eram tudo que ele pôde perceber de imediato.
A visão embaçada do ladino aos poucos começou a
formar outras figuras como mesas, diversos instrumentos usados para medicina,
tochas e as figuras de Edward e Parysas o observando enquanto o mesmo se
levantava.
— O que diabos aconteceu? – Perguntou Varis, se
sentando lentamente na cama de madeira enquanto passava a mão na cabeça,
visando amenizar a dor que sentia.
— Você foi pego em uma armadilha. — Afirmou
Parysas, enquanto mexia em alguns instrumentos. — Um bruxo havia invadido o
orfanato e usou uma magia que lhe prendia numa espécie de transe.
— Então quer dizer que eu fiquei hipnotizado até
agora? — Perguntou o ladino, após um breve raciocínio que lhe causou dor no
cérebro.
— Sim. — Respondeu Edward. — Mas eu devo
agradecer por ter caído na armadilha. Sem ela, o mago teria usado todo seu poder
contra mim e eu não teria o derrotado.
Ao olhar para Edward, além da substituição de
sua armadura para uma roupa leve, Varis também percebeu marcas de ferimentos
que, apesar de cobertas, ainda podiam ser vistas por seus olhos minuciosos e
detalhistas.
— Tá me devendo uma — Retrucou Varis em um tom
cômico.
— Por agora descanse, amanhã vocês terão uma
folga. — Disse Parysas enquanto saia da sala de recuperação, deixando os dois
elfos negros sozinhos.
O andar preocupado e apressado de Parysas o faz
cruzar os corredores do castelo rapidamente. Em seu rosto uma leve expressão de
pânico substituía seu sorriso típico.
Chegando a sala do trono ele se encontrou com
Argel, Cérbero e Sansa, que lhe esperavam.
— Ele acordou? — Perguntou Argel.
— Sim, meu rei. — Respondeu Parysas, enquanto se
ajoelhava.
Cérbero fez uma leve cara de enojado ao ouvir, “meu rei”.
— Esse é o segundo ataque demoníaco direto a uma
cidade em menos de um mês. — Reclamou e apontou Sansa.
— E, igual ao ataque a Monssolus, um cidadão de
grande poder era o foco. — Acrescentou Cérbero enquanto se escorava na parede
fria de pedra.
— Edward já sabe sobre Crist? — Perguntou Argel.
— Sim. — Respondeu Parysas melancolicamente. — Ele
não acreditou de início, mas, ao ver a aura que a envolvia, ele cedeu aos
fatos.
— Igual a Bellador, Crist não possuía
habilidades mágicas. — Acrescentou Sansa. – O que isso está virando?
— Sansa, me diga, os feridos da vila estão bem?
— Perguntou Argel.
— Voltten e Glans ajudaram no tratamento dos
feridos junto com alguns médicos, todos parecem bem.
— Ótimo! — Respondeu Parysas levemente aliviado.
— Duas pessoas revelaram um poder mágico
incrível em um pouco mais de um mês. — Disse o rei, chamando a atenção do
caçador. — Cérbero, o que me diz?
— A aura das duas são realmente espantosas, em
comparação as auras de outras pessoas, claro. – Respondeu o caçador vagamente
pensativo
— Tem ideia do que poderia ser?
— Não muita, mas não acho que seja coincidência.
Argel passou sua mão pela sua barba enquanto
pensava sobre a situação.
— Certo, irei fazer igual a Kaplar. — Afirmou o
rei. — Edward, Voltten, Varis e Glans irão para a capital, e Cérbero...
— Sim, sim, eu irei ficar feliz de ir com eles e
ficar os protegendo do lado de meu irmão e seremos felizes para sempre em
Cartan. — Interrompeu o caçador, completando a frase do rei de forma debochada.
— Não. — Disse o rei, interrompendo e deixando
Cérbero levemente intrigado e irritado. — Sansa e Parysas vão para a capital,
você acaba de ser promovido para protetor principal do rei.
— O que!? – Perguntaram Sansa e Parysas, igualmente assustados e espantados.
Olhares foram trocados rapidamente entre os
dois, a raiva do caçador era aparente, o mesmo pensou em atacar o rei, mas foi
parado a tempo por si mesmo.
— Tá bom, eu aceito. — Concordou Cérbero com um
tom de voz que mostrou sua clara indignação.
— O que? – Repetiram os dois irmãos, ainda mais
espantados com a cooperação do caçador.
— Ótimo! – Exclamou o rei, em sinal de
comemoração irônica. — Amanhã conte para os novatos a situação e os afazeres.
Irei providenciar uma carruagem para a capital o mais rápido possível.
— Entendido! – Parysas e Sansa responderam, se
retirando da sala junto com Cérbero, que quase quebrou a porta ao sair.
Os três trilharam os corredores de pedra e
madeira do castelo rumo aos seus quartos.
A figura carrancuda e irritada do caçador
preocupou levemente o paladino real, que ficou lhe dizendo elogios na intenção
de acalmá-lo, mas até mesmo a simpatia e o carisma de Parysas não eram o
suficiente para tirar a raiva e o ódio de Cérbero que os deixou na porta de
seus quartos.
Os irmãos decidiram ignorá-lo e adentraram seus aposentos, deitando em suas luxuosas camas e tentaram acalmar seu
nervosismo com uma boa noite de sono.
Subindo novamente a torre mais alta do forte e
escalando até seu pico, Cérbero se sentou e se acalmou.
Os campos verdes se mesclavam com o preto da
vila destruída.
A chuva já havia passado a tempos, mas o céu
continuou cinza, ameaçando a chegada de mais uma tempestade.
O caçador olhou os campos ao seu redor,
focando na construção de muros gigantes atrás das montanhas, a cidade conhecida
como Cartan, mesmo a horas de viagem, podia ser vista quase que claramente pelo
caçador.
Lembranças de seu passado começaram a vir à tona,
logo Cérbero teve um curto e simples momento de nostalgia.
Apesar de se lamentar diariamente, hoje ele
estava vagamente melhor por ter matado o demônio, isso ele não podia negar.
O sentimento da garganta do mesmo ter sido
comprimida e o corpo se tornado cinzas em sua frente foi boa. Tal coisa não era
sentida a tempos, pois ele não encontrava demônios de alto nível com tanta
facilidade.
A lua caiu e trouxe consigo o sol, marcando o
início do dia.
A manhã de Parysas foi tomada com a tarefa de
explicar a nova missão aos quatro “soldados especiais” que ainda não acordaram.
O quarto era o mesmo, mas uma cama nova havia
sido adicionada, tomando assim completamente o pouco espaço livre que havia
anteriormente.
Glans quase quebrou a cama com seu enorme peso e
sua estatura alta o deixava com os pés para fora do colchão.
Os outros três elfos apenas dormiam sem nenhum
problema, apenas leves preocupações.
— Hora de acordar. — Exclamou Parysas com um
vago ânimo se escorando na porta aberta do quarto, permitindo assim a passagem
de pequenos feixes de luz do sol ao redor de sua silhueta.
Edward e Glans começaram a se remexer, reagindo ao
chamado do paladino real.
Ele apenas sorriu tomando o bom humor que o dia
anterior o havia tirado.
— Vamos, já é de manhã! — Insistiu Parysas.
Os olhos amarelos de Glans abriram completamente
e o draconato se levantou aos poucos.
— Ser de dia? — Perguntou o troglodita de dois
metros e trinta de altura.
— Sim, Glans, já é um novo dia. — Respondeu
Parysas.
Varis se juntou a Glans e rapidamente se levantou.
— Hoje era meu dia de folga, porque você me
acordou? – Reclamou o ladino, piscando seus olhos para arrumar sua visão
embaçada de sono. – Você podia ter cutucado as pessoas individualmente.
— Folga? — Questionou Glans, confuso com a
palavra que não conhecia.
— É um dia que você não trabalha. — Disse Parysas, ao reparar na falta de conhecimento do draconato.
— Também era meu dia. — Retrucou Edward, sentando
na cama e colocando a mão em sua face para bloquear os feixes de luz que atingiam
seu rosto.
— E se vocês passassem o dia dormindo não
aproveitariam ela. — Disse Parysas com um sorriso que impedia que Varis e Edward
ficassem com raiva do paladino real.
Edward tateou seu corpo nas regiões que foi ferido e reparou que, não só não possuía mais dor ou dificuldade em mexê-las, como
também não ficou com sequelas ou efeitos colaterais da perda de energia e
instabilidade devido ao seu golpe final.
Os olhos do paladino se desviaram levemente para a
cama do lado em que Voltten dormia.
— Ei Voltten, acorda! – Disse Edward calmamente.
— Não! – interrompeu Parysas. — Voltten passou o
dia anterior curando os feridos da vila, a perda de sangue que ele teve foi
grande a ponto de necessitar um repouso maior.
— Desculpe interromper, mas eu e Edward lutamos
contra demônios ontem. — Acrescentou Varis levemente indignado com a injustiça
realizada.
— Na verdade, vocês lutaram contra um humano. — Revelou
o paladino em um tom sério.
— Como? – Questionou Edward, já em pé.
— O ser que lutou com vocês era um usuário de
magias sagradas. — Explicou o paladino real — Suas magias eram fortes e ele não
era totalmente humano, de fato, mas sua origem era terrena.
— Então quer dizer que ele era como nós? – Perguntou Varis, estupefato.
— Bem.... Tecnicamente falando.
As coisas clarearam um pouco na mente de Edward,
que não viu muitos traços demoníacos no inimigo ou em suas magias enquanto
lutava com ele.
— Meses treinando e eu não consegui me manter
devido às dores. — Disse Edward, após um
suspiro de auto decepção.
— Está melhor que eu, fui pego na primeira
oportunidade. — Completou Varis igualmente desanimado.
O clima depressivo tomou conta do lugar e
Parysas tentou amenizar a situação.
— Glans, me ajuda... — Pediu o paladino real ao
draconato que estava confuso, pois não sabia o que havia acontecido no dia
anterior.
— Ajudar? – Pergunta o draconato, não entendendo
a situação.
— Esquece. — Suspirou Parysas, após perceber que
não poderia contar com Glans.
— É isso! — Exclamou Edward, após recuperar a
vontade e a motivação. — Irei me empenhar em dobro, assim terrei energia e
força suficientes para usar a Arder de seus Pecados de forma perfeita!
— O que é isso? — Perguntou Varis, virando seu
rosto para Edward com curiosidade.
— Edward, você sabe que ainda não está pronto para
uma forma perfeita de magia. — Alertou Parysas com preocupação.
— Pronto para que? — Perguntou novamente Varis, confuso.
— Então eu devo me prepara para estar! — Respondeu Edward, já saindo do quarto. — Parysas, vamos! Hoje eu irei dobrar o
meu limite!
— Ei! Espera! — Gritou o paladino real ao elfo
negro que já estava correndo para a área de treino.
Os dois saíram da sala, deixando Glans e Varis
sem entender nada.
— O-Oque? – Perguntou Voltten, acordando
levemente. — Eu perdi alguma coisa?
Glans e Varis se encaram vagamente.
– Não sei, falaram, falaram e falaram, mas não disseram nada. – Disse o ladino irritado, se arrumando para tentar voltar a dormir.