As carroças entraram na cidade pelo seu portão
principal, uma gigantesca abertura bem construída e rodeada por guardas que
paravam aleatoriamente as carroças com suas alabardas, cimitarras e lanças. Por
sorte, o grupo se safou e a infiltração na cidade foi feita com sucesso.
Se mesclando com as casas amarelas e laranjas estavam diversos
mercadores que gritavam promoções falsas e leilões de itens roubados.
A carroça seguia um caminho em meio as estruturas. Logo as raças peculiares
que circulavam o local tomaram conta dos olhares do grupo.
A tonalidade pálida de Voltten era a mais comum, pois se assemelhava a
viajantes humanos que circulavam normalmente, mas o resto de seu grupo era bem
peculiar.
Edward e Varis foram estranhados tanto pelas tonalidades acinzentadas de
suas peles, quanto pelas suas armaduras vestidas por completo, que causava
agonia em alguns que olhavam, por achar que os mesmos estavam morrendo de
calor.
James nem sequer foi questionado mentalmente por alguém, ele era apenas
um careca aleatório. Aquiles foi questionado não pela sua pele de carvalho, mas
sim pelo seu tanquinho e seus músculos a mostra, junto da cicatriz no peito,
claro.
A cereja no bolo da estranheza daquele grupo de pessoas, chegou quando
Glans foi. De início acharam que era uma ilusão, mas logo reconheceram que o
homem dragão era de fato real.
Muitos correram para longe, enquanto alguns permaneciam curiosos e
cogitaram seguir a carroça. Ao olhar para a predominância de pessoas de pele
negra ou queimadas do local, Glans se aproximou lentamente de Voltten.
— Porque a pele deles ser completamente preta? E porque eles olhar para
mim? — Cochichou Glans de forma apreensiva.
— A evolução da espécie deles ocasionou isso. — Respondeu o elfo no
mesmo tom de voz. — Com uma pele negra com mais melanina eles conseguem maior
resistência aos raios do sol.
— Evolução? – Questionou o draconato confusamente.
— E sem ofensas aí, grandão, mas um homem dragão também não é a coisa
mais normal de se ver. — Comentou Varis, que ouviu a conversa dos dois.
Após algum tempo,
as carroças foram paradas por um homem negro coberto por um pano branco, que
lembrava vagamente um monge.
— Senhores, percebo que não são daqui, precisam de ajuda, moradia, um
bom lugar para comer? — Perguntou com um tom de camaradagem e intimidade
questionável.
O grupo se olhou confuso. Depois de alguns segundos, todos afirmam com a
cabeça para Edward.
— Salve, sim precisamos. — Respondeu Edward, agradecendo a boa vontade
do homem com um tom amigável.
— Ótimo, me sigam, eu sei de rotas menos congestionadas. – O homem
afirmou, enquanto andava em uma das ruas da cidade. – Conheço uma estalagem
restaurante ótima e com um bom preço.
Varis e James trocaram olhares brevemente, enquanto os cavalos eram
conduzidos.
O homem abriu caminho em meio às multidões, ajudando a travessia da
carroça. Após alguns minutos de cavalgada, o grupo chegou a uma casa maior que
o convencional, a estrutura feita de arenito e pedra sustentava uma outra casa
em cima dela mesma.
Uma porta aberta de madeira dava visão para um bar com poucas pessoas e,
em cima dessa porta, a placa escrita O
verme do deserto em tons roxos.
— É aqui senhores, espero que fiquem na cidade por bastante tempo. —O
guia deu um sorriso humilde enquanto o grupo se arrumava.
— Obrigado. — Agradeceu Edward, descendo da carroça e se pondo a entrar
no estabelecimento. — Aquiles e Glans venham comigo ver a questão dos quartos,
Voltten pague ele pelos serviços. Varis e James, procurem um lugar para deixar
as carroças.
Aquiles e Glans o seguiram demonstrando um leve receio, mas que não foi
percebido devido o desvio de atenção de Voltten.
— Cem moedas são o suficiente? — Questionou o elfo para o Homem que os
ajudou.
— São mais que o necessário, muito obrigado. — ele pegando o saco de
couro dado pelo mago. — Senhores, essa estalagem tem um estábulo robusto do
outro lado, me sigam eu lhes mostro o caminho.
Varis e James tomaram o controle das carroças e as conduziram por onde o
homem guiava, dando a volta na construção e entrando em um estábulo grande o
suficiente para os dois veículos.
— Obrigado pela ajuda. — Agradeceu Varis, saindo da carroça de forma
descontraída e calma. — Mas pode parar de fingir. – O ladino se virou
lentamente para o homem com os olhos aguçados e penetrantes.
— Então você também percebeu Varis? — Complementou James, fazendo o
mesmo.
Após o olhar hostil, o guia abandonou completamente sua postura certinha
e arrumada.
— Vocês vão virar história! — Insinuo ele formando um sorriso malicioso
e maníaco e impulsivo em seu rosto, tirando uma adaga de sua cintura. — Os seus
amigos já devem ter encontrado os meus camaradas há essa hora.
— Uma lâmina curva. — Falou Varis, analisando calmamente o punhal que o
inimigo segurava. — Aqui eles usam espadas e facas com lâmina apenas de um lado
e com uma descida no final da mesma. “Cimitarra”, se eu não me engane é esse o
nome.
— A arquitetura daqui não é a única coisa peculiar então. — Completou
James, igualmente calmo olhando ao seu redor.
Os dois amigos a conversar confundem o inimigo com seus dizeres vagos e
sem emoção.
— Não estão com medo? — Questionou o homem os ameaçando com o balançar
de sua arma, mas não conseguindo arrancar nenhuma emoção dos dois.
— Medo? Eu já vivi isso milhões de vezes, sei como funciona. Alguém fica
distraindo enquanto outros ficam de vigia, eles arranjam uma forma de separa o
grupo e eliminam ele separadamente. — Respondeu Varis numa descrição de
criminologia. — Só não sei se vocês são corajosos ou ignorantes demais.
— Como?
— Apenas idiotas iriam atacar seis homens visivelmente armados como nós.
— Retruca James.
— Sem falar que um deles carrega uma lança de cavalaria como se não
fosse nada e o outro é um dragão humano. — Completou Varis, ridicularizando o
inimigo.
O homem encarou as íris vermelhas penetrantes do elfo negro e começou a
tremer. Logo James se movimentou para perto do companheiro pegando de suas
costas o seu arco.
— Há essa hora os nossos camaradas acabaram com os seus camaradas. —
Ironizou Varis, invertendo completamente a situação, se colocando na posição de
ameaçador.
O homem assustado guardou a faca em sua devida bainha e se virou de
costas para dois. Se preparando para correr, o homem deu alguns passos rumo a
multidão que estava um pouco a frente.
— James, quer fazer as honras?
— Claro, meu caro Varis.
O arqueiro apenas sacou de sua aljava uma flecha.
Armando seu próximo movimento, o arqueiro sentiu novamente o envolver do
espírito a lhe esquentar por baixo da armadura vindo à tona novamente, junto da
voz que o embaralhou quando atirou a flecha.
O projétil não errou nem um centímetro, atingindo em cheio a nuca do
homem que tentou os enganar. A flecha lhe proporcionou uma morte rápida e
indolor, digna demais para um trapaceiro.
O arqueiro sentiu apenas um calor básico na alma, mas nada que o
prejudicasse. Porém, ao olhar para Varis, James o percebeu agonizando no chão.
— Varis! – Gritou James, guardando seu arco e conferindo o corpo do
amigo.
O coração do ladino estava acelerado, sua respiração pesada e suas mãos
frias.
— Acalme-se Varis, eu vou chamar Voltten! – James se levantou já
traçando a rota para a estalagem.
— Não... – os lábios do ladino se moveram de forma inconsciente. Sua voz
era a mesma, nada de alterações a modificaram. – Eu estou bem.
— Hum? – James parou de caminhar e virou novamente para o amigo que se
levantava lentamente, apoiando na parede de madeira do estábulo em que estava.
– O que aconteceu? Tem ideia do que foi?
— Nós.... Eu estou bem. – O ladino deu dois passos na direção do
arqueiro de forma desnorteada e vomitou sem aviso prévio, formando uma poça no
chão.
— Varis? – James o chamou, enquanto se aproximava do amigo.
— Está tudo bem. – Ele insistiu se afastando da poça de vômito e
começando a andar normalmente na direção do arqueiro. – Foi só uma dor de
estômago. – Finalizou de forma irônica rapidamente. – Como tá o cara?
— Hum? – Quando os dois olharam para onde estava o corpo, notaram de
cara um bando de pessoas a saquear o corpo. – Acho que a criminalidade desse
lugar não é algo que se brinque tanto.
— Nada que eu não esteja acostumado, eu acho...
Em um quarto na estalagem, três camas beliches o ocupavam.
Em cima de uma delas, Glans, limpava o sangue de seu machado, Voltten
observava a vista que tinha para o coliseu alaranjado que decorava a cidade.
Edward se encontrava ajoelhado ao chão, recitando uma oração em respeito a quem
morreu naquele combate e Aquiles, entediado, estava a descansar em uma das
camas superiores, observa o teto de pedra da do quarto.
A porta se abriu e James e Varis se juntaram novamente ao grupo.
— E aí, como foi? — Perguntou Aquiles virando seu rosto brevemente para
os dois que acabaram de chegar.
— Ferimos o cara e uns aleatórios saquearam o corpo. — Respondeu James,
dando alguns passos para o lado da porta e se escorando na parede.
— A criminalidade desse lugar ou pelo menos dessa área é bem peculiar. –
O ladino afirmou, se sentando em uma das camas.
— ... Que você os guie agora.
— Finalizou Edward, terminando sua oração e se juntando a conversa — Ótimo,
todos estão bem.
— Eles não vão reclamar do sangue no corredor? — Perguntou Voltten, se
aproximando de Varis.
— Não esquenta. Aqueles caras deviam vir aqui com frequência para
enganar idiotas, eles já devem estar acostumados a limpar sangue de feridos. –
Respondeu Varis, levemente cansado. – Agora com cadáveres é outra coisa.
— Se você diz. — Disse Edward, olhando para aquilo de forma incômoda
enquanto arrumava sua espada em sua bainha e seu escudo em suas costas. — Vamos
descansar um pouco, vi o menu da taberna antes de vir para o quarto, alguma
coisa deve nos agradar por agora.
— É melhor comermos logo, de acordo com os cálculos e as previsões de
Merlin, é hoje que os poderes do escolhido iriam se revelar. — Alertou Voltten,
preocupando os companheiros ao seu redor. – Perdemos muito tempo na rota de
viagem precária...
— Este país possui sacerdotes ou paladinos? – Questionou James, dando um
passo à frente, demonstrando preocupação.
— Sim. — Respondeu Aquiles, descendo de seu beliche e caindo de em pé no
chão duro de pedra. — E todos se concentram principalmente na capital. É bem
possível que eles encontrem o escolhido antes de nós.
— Isso em parte pode ser bom. — Concluiu Varis, após um breve
raciocínio.
Todos os encararam confusos.
— Está louco! — Reclamou Edward.
– O que de bom tem nisso?
— Pense comigo, se eles já encontraram o escolhido, é só nos roubarmos
ele.
— Roubar uma pessoa do governo local? – Questionou James, impressionado
com a ideia peculiar. – Seria como um sequestro sobressaindo outro sequestro
visto por um lado.
— É só uma medida que poderíamos tomar, mas eu só a sugeri.
— De qualquer forma. — Resmungou Voltten, chamando brevemente a atenção
de todos. — Vamos comer logo, talvez a ideia de localizarmos o escolhido pelos
guardas e sacerdotes seja boa, mas não acho que será tão fácil sequestrar uma
pessoa.
— Acho que deveremos fazer o que conseguirmos para, pelo menos, garantir
a segurança dele ou dela. — Sugeriu Edward, aproximando-se de Voltten.
— Concordo com o Edward. — Afirmou Aquiles, arrumando seu equipamento em
seu corpo.
— Isso podemos decidir na hora. — Insinuou Varis, abrindo a porta de
saída do quarto. — É melhor irmos comer. Estamos correndo contra o tempo, não é
mesmo?
— Você está certo. – Acrescentou Voltten. – Não iremos conseguir nada de
barriga vazia.
— Estou com vocês. – Disse Aquiles, os seguindo.
— Comida ser bom. – Glans concorda.
— Você vem, James? – Edward questionou o arqueiro que estava escorado
até agora.
— Hum? – James voltou sua atenção a seus companheiros. – Sim, eu já vou.
O paladino seguiu seu grupo e abandona o arqueiro.
“Aquele vomitar de Varis...” James refletia lentamente. “Não pode ter
sido algo do nada...”
O arqueiro sacou seu arco e o observou friamente.
“Esse ‘calor’ tem algo a ver talvez. ” James recolheu o arco e saiu do
quarto, passando novamente pelos cadáveres dos saqueadores. “Tenho que ver
melhor isso outra hora”.