A noite se esvaiu rapidamente e deu a deixa para
que o brilho e o calor do sol mostrassem as grandes batalhas travadas dentro do
coliseu de Suma.
As pessoas, maravilhadas enquanto tomavam lados perante os cruéis e
brutais confrontos que tinham como palco o centro da construção. Em geral, todos
riam em meio a desgraça alheia.
Em um camarote elevado cheio de belas damas, guarda-costas e pessoas da
alta classe se encontravam acompanhando o imperador Kaf.
Destacado, o poderoso monarca, que comandava o país, tinha os cabelos
loiros e curtos, a pele era queimada, algo que um dia já podia ser chamado de
branco e suas roupas de nobre realçava mais sua posição política. Suas mãos
estavam enfaixadas, mas completamente saudáveis, em uma delas um cálice dourado
incrustado de joias e com o vinho mais caro da cidade.
Em meio aos cruéis massacres que
se realizavam no local, Edward, Aquiles, Varis e James apenas observavam de uma
cela que os separavam da batalha que estava sendo travada naquele momento.
A cruel luta entre três homens e um escorpião gigante assustou a todos,
mas chamou a atenção dos elfos negros por causa de um detalhe peculiar, os que
estavam lutando eram os conhecidos de ontem.
– Não são os bandidos de ontem? – Questionou Varis, se aproximando da
grade de segurança.
– Ao que aparenta. – Edward respondeu pensativo.
– Pelo menos a punição funciona nesse país. – Varis comentou, voltando
para seu grupo.
Mesmo estando armados com afiadas espadas, os três bandidos não
conseguiam superar o poder da besta que, com suas garras afiadas, os partia ao
meio. Separando seus torsos de suas cinturas.
O terceiro bandido observa a morte de seus companheiros horrorizado,
ficando com mais medo ao vê-los agonizar no chão e formarem uma imensa poça de
sangue.
Quando pensou em fugir, já era tarde demais. O ferrão do escorpião
gigante o perfurou o peito, lhe atingindo uma veia próxima ao coração.
O veneno da criatura logo se espalhou por todo o corpo do bandido como
um ácido que o fez cair morto para trás, deixando visível um rombo em seu peito
que forma uma poça apenas em seu centro.
O ato de crueldade natural foi visto com extrema dor pelo paladino, que
viu naquele escorpião gigante uma criatura que já passou por diversas torturas
e foi atiçada pelos seus cuidadores para ser uma máquina de matar.
O delírio da plateia ao ver tal ato de crueldade camuflou os berros de
dor soltados pelos feridos e, consequentemente, atrapalharam o julgamento do
paladino.
— Incrível como tais atos de crueldade alegram a população. — Falou
James, levemente intrigado.
— Eu acho interessante o fato deles criarem um método de punição que
alegra o povo. — Acrescentou Varis, deixando James de cara com o argumento.
– Nisso ele tem razão. – Complementou Aquiles, rindo de relance.
A grossa porta de pedra que havia na ala de espera foi aberta por um
guarda com armaduras típicas da região, abrangendo em suas mãos uma lança de
quase dois metros e uma cimitarra guardada em uma bainha na cintura.
— Ótimo, nossas armas! — Exclamou o ladino abandonando a visão das batalhas
e se pondo a prestar atenção no guarda.
O homem jogou um saco de couro no chão com desprezo, dele foi tirado
quatro cimitarras.
Varis rapidamente pegou uma sem pensar duas vezes, apesar de não gostar
daquele tipo de arma.
— Espera, não posso sobreviver apenas com uma arma corpo-a-corpo básica!
— Reclamou Aquiles, após pegar uma cimitarra. — Preciso de minha lança de
cavalaria.
— Negado! — Respondeu o soldado com desprezo, olhando friamente para os
quatro de forma quase sádica.
— E eu? Posso pelo menos ter um arco? — Perguntou James incomodado. —
Não me dou muito bem com armas brancas.
— Isso podemos considerar. — Respondeu da ala.
— Então temos quatro cimitarras, talvez um arco e confiscaram nossa
armadura... — Listou Varis, sem nenhuma esperança. – É, nós vamos morrer.
— Não sejamos tão negativos, tenho fé que sobreviveremos. — Afirmou
Edward, tentando ajudar a moral do amigo.
O guarda retornou para a cela empunhando um arco enferrujado em sua mão.
— Aqui está! — ele falou enquanto o jogava o arco para James.
— Obrigado. — Respondeu James pegando o arco enferrujado já estranhando
suas condições precárias. — Mas onde estão as flechas?
— Negado!
— Você quer que eu lute com um arco sem nenhuma flecha!? – Questionou
ele, depois de um tempo olhando de forma vazia para o arco, imediatamente se
questionando a utilidade daquilo. – Maldição...
— Melhor se prepararem, a luta de vocês já vai começar. – O mesmo se pôs
a fechar a porta sem responder à pergunta feita por James, que ficou de cara
sem nenhuma reação.
— Aquiles, pode pegar a quarta cimitarra. — Disse Edward, também
irritado com a falta de resposta do guarda. — Não tem utilidade nem para mim e
nem para Varis, para James muito menos.
— Obrigado. — Agradeceu ele, já a
pegando e se acostumando a mexer os braços com duas armas leves. — Mas não acho
que vai servir de muita coisa. Eu uso Davi Golias a tanto tempo que é estranho
lutar com outra combinação de armas, principalmente uma tão leve, fora que a
Dente de Dragão vai ficar solitária.
-- Hum? – Edward e James murmuraram.
A grade que separava eles do centro do coliseu se abriu, deixando-os
livres para explorar o centro da construção. Quando puseram os pés para fora de
sua zona segura, eles escutam uma voz de alguém gritando, um apresentador carismático
e bem-humorado a se destacar.
— Povo de Harenae, esses homens atacaram e difamaram a guarda de vossa
majestade, o Imperador Kaf!
O grupo receoso, seguiu o paladino que caminhava de peito erguido e sem
medo. Era correto afirmar que parte da coragem e crença do paladino exalava
para seus companheiros que a absorveram por algo semelhante a osmose.
-- Eu tenho um mau pressentimento sobre isso. – Varis afirmou de forma
receosa, mesmo que o paladino ajudasse a instabilizar seu nervosismo.
Gritos de vaia da plateia começam a ser emanados acompanhado de jogares
de pedras, percorrendo toda a estrutura do coliseu, mas não atingindo nenhum
dos quatro.
— Eles merecem o maior castigo! Não merecem?! – O homem parou de gritar
e a plateia o respondeu com o mesmo tom de voz em uma onda de positividade. –
Libertem os destruidores do deserto!
Uma gigantesca grade se abriu e dela saíram monstros que causaram o medo
nos quatro e diversos gritos de apoio da plateia.
O maior deles era literalmente um gigante. Possuía em torno de três
metros e meio de altura. Ele era gordo como um mamute, sua pele era
completamente coberta por uma armadura dourada, possuindo apenas três buracos
no elmo para visão e respiração.
O mesmo também carregava em suas gigantescas mãos, um porrete de metal
que, assim como o mesmo, era desproporcional ao tamanho humano e banhado a
ouro.
O outro
desafiante saiu de suas sombras de forma esguia e misteriosa. Ele era menos
bizarro e amedrontador que seu companheiro, mas não deixava de ser peculiar.
Um ser humanoide de um pouco mais de dois metros, ostentando uma
armadura semelhante ao do gigante que o cobria por completo, porém a dele era
mais ameaçadora e pontuda. Ela deixava pequenas frestas em seu elmo para a
visão e nas juntas para movimento.
Em suas mãos, uma enorme lança com o cabo dourado e uma lâmina prateada
bem afiada o destacavam. Aquele exemplar de arma era de fato bonito e bem
feito, mil vezes mais bem projetado perante o porrete do gigante.
— Nós vamos ter que derrotar isso? — Gritou Varis assustado, apontando
para seus inimigos, principalmente com o gigante.
— Tac Nyan está conosco, certo? — Questionou James, apreensivo.
-- Ele sempre está, consigo
sentir isso. – Edward afirmou, tomando coragem para a luta.
Após o sinal dado pelas cornetas, a luta começou.
Os dois oponentes já se preparavam para o combate enquanto os quatro nem
um planejamento tinham. O gigantesco monstro se pôs a correr em direção ao
grupo que, com medo, fugiu para os lados em uma evasiva. (...)
Varis e Edward foram para a direita da criatura e James e Aquiles
seguiram na direção contrária, ambos desviam da investida e se afastam,
tornando daquela batalha uns dois versos um para os inimigos.
— Que poha é aquela!? – Pergunta Varis gritou desesperado. – Qual o
plano, Edward?!
-- Aquiles, qual o plano?! – James questionou de imediato ao ver o
assassino sem palavras ou reações.
— A princípio, não morrer! — Respondeu o cavaleiro ao tão assustado
quanto.
O lanceiro se pôs a completar a tentativa de ataque feita pelo parceiro.
O lanceiro saltou na direção de Aquiles, tentando executar uma estocada
em sua queda, mas o elfo antecedeu o ataque e o bloqueou com as cimitarras.
Do outro lado, o gigante parou de correr quando se chocou com a parede,
a quebrando levemente. Em seguida ele dirigiu sua atenção a Edward e Varis que
rapidamente perceberam as intenções do inimigo.
— Alguma ideia Edward? — Perguntou o ladino, mordendo seu lábio enquanto
tentava elaborar um plano.
— Não, temos que arranjar alguma forma de tirarmos a armadura dessa
criatura, só assim teremos alguma chance de causar algum dano verdadeiro. —
Respondeu o paladino, tentando pensar em algo para atacar. – Mesmo assim não
imagino uma forma muito efetiva de feri-lo.
— Algo como desprender ou cortar uma corda?
— Talvez, mas não vi nenhuma brecha ou parte não coberta, então tudo no
corpo dele deve estar protegido. – O paladino afirmou de forma receosa.
— Então temos que, ou perfurar a armadura ou derretê-la. – Concluiu
Varis rapidamente. – É a única coisa que eu penso que pode ser feita.
— Derreter?! – Edward teve um rápido choque de memória e relembrou os
ensinamentos de Parysas. — É isso! A Arder
de Seus Pecados!
— O que? – questiona o ladino, confuso. – A magia de fogo na arma?
— Preciso fazer uma oração e vou precisar de trinta segundos no mínimo.
– Edward afirmou passando lentamente seu indicador esquerdo em seu anelar
direito, sentindo a conexão mágica de seu anel. – Acha que consegue distrair
ele por esse tempo?
— Vai orar numa hora dessas!?
Edward virou seriamente para o companheiro, exalando esperanças de uma
vitória.
— Você consegue ou não? – ele perguntou novamente de forma mais direta e
certa.
— Maldição... – Murmurou Varis, após olhar por alguns segundos nas íris
vermelhas do companheiro de espécie. – Certo, deixe comigo!
— Então o distraia!
– Falar é fácil!
Os dois elfos correram, cada um para uma direção distinta, deixando o
inimigo confuso sobre quem atacar.
Edward parou de andar depois de percorrer uma distância curta de onde
estava, se ajoelhando no piso de pedra com areia do coliseu, se pondo a rezar
logo em seguida.
Tal pausa foi o suficiente para tomar a atenção do gigante, que o viu
como alvo fácil e começou a andar em sua direção.
Varis, sem muito o que fazer, aproveitou o roubo de foco feito pelo
amigo e se pôs a analisar melhor as partes da armadura do inimigo que, devido a
perda significante de energia feita em sua primeira investida, agora caminhavam
mais lentamente de forma desleixada.
Porém, o ladino sabia que o “lentamente” não tomaria os trinta segundos
necessários, estava longe disso. A única coisa que pensou era em histórias e
contos antigos sobre gigantes, pois nunca havia visto um com seus próprios
olhos.
Seus pensamentos eram, em sua maioria, falhos e imprecisos, mas algo
deveria ser feito. Foi então que a primeira coisa que o ladino supôs veio à
tona, uma das principais necessidades em um combate: a visão.
Mesmo com a enorme armadura dourada o cobrindo, o gigante ainda possuía
um elmo com buracos para que seu olho pudesse enxergar os acontecimentos a sua
volta.
Com seus astutos e precisos olhos de ladino, o elfo negro analisou todos
os pontos de apoio da armadura dourada da criatura, anotando mentalmente todas
as possibilidades de escalada que se davam pelo final dos segmentos das placas
que constituíam a proteção do gigante.
Após traçar a rota de subida, que tinha como início o pé direito e como
fim o ombro esquerdo, Varis se pôs a correr na direção do enorme ser que ainda
estava andando rumo a Edward.
Porém, a figura cinza de Varis também havia entrado na linha de visão do
gigante que parou sua caminhada erguendo seu enorme porrete e, em seguida, o
desceu, golpeando assim, o chão em tentativa de acertar o ladino.
O mesmo percebeu a sombra do porrete o cobrindo segundos antes do ataque
ser completado, ao olhar para o céu e se surpreender com a arma metálica que
estava a poucos metros de lhe acertar.
Como reação e forma de escapar do golpe, Varis reuniu suas forças e as
gastou em um salto feito no meio da corrida, se jogando para o lado e evitando
o ataque que acertou em cheio o chão do coliseu, levantando areia e criando uma
enorme cratera junto.
Após cair devido ao salto, Varis teve uma segunda ideia, uma mais rápida
e que talvez seria mais eficiente, subir pelo porrete.
O tempo de análise era quase inexistente, apesar do mesmo conseguir
analisar o porrete para subir por ele. De um lado a armadura era mais segura,
do outro, o porrete era mais prático, mas no fim o tempo se esgotou.
Se levantando em segundos o ladino começou a correr para a arma do
inimigo, se agarrando em um ponto de apoio fácil e básico, fruto da má
arquitetura da arma.
“Com isso se passaram dez
segundos” ... pensou Varis, enquanto sentia o porrete ser erguido pelo gigante.
– Espero que isso realmente
valha a pena, Edward!