A brisa do mar e o balançar do
navio dava enjoo ao elfo ruivo que acordava lentamente.
Aquiles
saiu de sua rede e pisou no chão de madeira do seu andar ainda um pouco grogue,
mas no momento que viu o cenário a sua volta, o pânico tomou conta.
“Onde
estou” foi a primeira pergunta que ele fez a si mesmo. Logo em seguida, ele
saltou para trás, ficando contra a parede e deslizou a mão para a cintura para
sacar rapidamente sua espada. “Mas que porra...!”
Quando
tateou sua cintura, ele reparou nas suas vestes, uma simples e mundana calça de
pano. Quando se arrepiou pela surpresa, ele sentiu seu corpo por completo e com
isso a falta de sua armadura.
– Hum?
– Ele murmurou, fitando os olhos para todos os lados possíveis.
O
cenário que ele encarou foi um navio. Um rústico barco com diversas pessoas
dormindo em redes, a pouca iluminação vinha de feixes de luz que eram providos
pelas falhas na madeira e janelas malfeitas do local.
A
mente do cavaleiro, que não era tão instável normalmente, entrou em pânico
rapidamente.
Mesmo
sem nenhuma ameaça, ele armou a defesa corpo-a-corpo enquanto traçava uma rota
para correr.
Em
segundos, ele localizou a escada que dava para o deque superior.
Sem
nem pensar, o elfo estava correndo violentamente para a escada, fazendo um alto
som a cada passo.
Aquiles
continuou em sua pequena maratona até chegar no primeiro deque, se deparando
com um horizonte de água salgada para todos os lados.
Sem
ter o que fazer, Aquiles olhou ao redor o máximo que conseguia.
–
Varis! Edward! James! Glans! Voltten! – Gritou o cavaleiro, ainda recoso
perante o cenário estranho e inesperado em sua volta.
Como última
ação antes de uma reação, Aquiles conferiu a vela daquele navio. Quando a identificou
quase caiu de joelhos.
A vela
era completamente negra, mas possuía em seu centro um brasão de cavalo, o mesmo
brasão dos Cavaleiros Negros.
–
Como? – Ele disse enquanto passava a mão em seu peito, sentindo a cicatriz que
a foice do invasor de Cartan lhe proporcionara. – Como...?
– Que
gritaria é essa!? – Uma voz feminina bruta chamou a atenção do cavaleiro. Se
virando de costas, ele viu lentamente a porta da cabine do capitão abrir, dando
a visão necessária para Aquiles.
A
mulher era peculiar, parecia possuir em torno de seus trinta anos em aparência
física, mas suas orelhas eram peculiares.
Ao
contrário das orelhas de humanos, elas eram pontudas e esguias, mas, ao
contrário das orelhas de elfos eram de tamanho menor e comuns.
O
rosto da mulher era algo rústico e ao mesmo tempo delicado, com uma
intercalação de emoção ela viajava entre os dois extremos, algo que ia de belo
para ameaçador.
Seus
cabelos enrolados eram grandes e destacavam sua face cor de pele quente e
textura macia.
As
vestes dela eram mundanas, afinal acabara de acordar, assim como Aquiles.
– O
filho do Kaplar? – Ela perguntou, franzindo a testa e ameaçando Aquiles com sua
expressão, algo que não teve efeito. – Gritar para os outros acordarem é o meu
trabalho, não o seu!
–
“Filho do Kaplar”? – Aquiles questionou estranhando a mulher, era como se já
tivesse a visto em algum lugar, mas ele não lembrava aonde. – Onde estamos? E
como eu vim parar aqui?
– Você
não precisa saber nenhuma dessas informações. – A mulher afirmou, estufando o
peito e continuando a ameaça. – Já que acordou mais cedo comesse os seus
afazeres mais cedo.
Aquiles
respirou fundo, ignorando o receio que sentia, e logo tomou uma postura
ameaçadora. Contrariando a da mulher, Aquiles, além de flexionar os músculos a
mostra, levantou o pescoço e assim o olhar, deixando sua presença mais
imponente.
– Eu
não vou mover um músculo a seu favor até que você me responda. – O elfo afirmou
de forma seca e forte, algo muito mais ameaçador do que a mulher conseguiu
fazer.
O silêncio
dominou o lugar vagamente, a mulher olhou nos olhos de Aquiles, produzindo um
atrito no meio dos dois. Aquiles tinha certeza que se garantiria contra ela,
logo não recuou um passo.
– Bem
que falaram que bandidos não mudam. – Ela ironizou, entrando em posição de
combate. – Só porque você é o filho do Kaplar não quer dizer que você não pode
ser disciplinado por outras pessoas.
–
Disciplinado? – Aquiles questionou, prevendo um futuro ataque da mulher, logo
entrando em posição de combate também.
– Não
é nada pessoal, só temos que fazer você se acostumar a vida no Quarto Esquadrão.
–
Quarto Esquadrão? – Aquela palavra ecoou na mente do elfo, aquela maldição que
ele carregava por ser o último sobrevivente de sua primeira missão, logo em
seguida sendo ridicularizado e depreciado como símbolo de má sorte, o que lhe
fez ser o líder do quarto esquadrão ao mesmo tempo que ele era seu último
membro.
A
mulher partiu para Aquiles, que ainda estava em torpor. Quando ele notou a
investida, logo aplicou um contra-ataque totalmente profissional e letal, não
medindo esforços contra quem o atacava.
Segundos
antes do soco da mulher lhe acertar, Aquiles conseguiu desviar para o lado,
dando uma janela de possibilidades que foi preenchida com um forte e massivo
soco direto no rosto da mulher.
A
pancada fez um som perturbador e agoniante, junto disso a mulher foi projetada
na diagonal uns dois ou três metros, caindo no chão do convés de forma dura e
seca.
Quando
tentou se levantar, sua boca começou a expelir sangue. Logo foi expelido uma
grande maçaroca de sangue e saliva que revelou ter um dente junto.
– O
Quarto Esquadrão... – Aquiles murmurou olhando para a mulher ainda pasmo. –
Você... você é Santana Bon!?
– Você
não reconhece a face da sua própria capitã? – Ela perguntou, se reerguendo ainda
precariamente.
Em
alguns segundos, dois homens musculosos subiram junto no convés.
–
Capitã, o que aconteceu? – Um deles questionou indo em sua direção.
– O
bandido! – O outro gritou.
– Eu
sabia que ele não era confiável!
– Se
acalmem, homens... – Santana afirmou, recompondo-se por completo em segundos. –
Não posso negar que eu que comprei a briga, mas agora eu que devo colocar esse
fedelho no lugar dele... – Sua forma marrenta e negligente apenas atiçou mais a
briga.
A
capitã girou a cabeça e estralou o pescoço, flexionando os músculos e engolindo
o sangue em sua boca tentando colocar moral.
“Fedelho?”
se questionou Aquiles. “Eu já tenho vinte e cinco anos, mesmo que seja pouco
para um elfo eu estou na mesma faixa de idade que eles...”
Ele
esperou a mulher fazer o próximo ataque, ficando completamente na defensiva.
À
medida que o tempo passava, as pessoas foram acordando e os rodeando, esperando
a resposta de algum deles.
– Você
vai ficar só olhando ou vai tentar a sorte? – Santana atiçou calmamente. – Do
bando de bandidos que você veio eles já sabiam alguma coisa de combate? Ou foi
difícil de mais para você aprender sobre isso?
–
Sabe, esses xingamentos já foram melhores. – Aquiles afirmou sem expressar nada.
Enquanto
a encarava, ele via em seus pensamentos uma imagem fantasma do que já
acontecera em seu passado, algo como um déjà vu enigmático seguido de inúmeras
sombras falsas.
Com
mais avanço rápido, Santana correra na direção de Aquiles.
Seus
pensamentos acabaram por fazê-lo abaixar a guarda minimamente, mas sua
especialidade corpo-a-corpo lhe disse rapidamente o que fazer.
A
mulher socou suas costelas, mas o peitoral musculoso do elfo absorveu
completamente o golpe.
Logo
em seguida, Aquiles abriu sua mão direita e desferiu com toda velocidade
possível um tapa de mão aberta tão forte e humilhante que a fez se recompor do
golpe e logo em seguida tentar outro, mesmo que ainda estivesse um pouco
debilitada.
Parando
alguns centímetros do lado do cavaleiro após o tapa, Santana abaixou
completamente a guarda e avançou num ataque rápido e feroz.
Aquiles
não precisou de muito para entender as intenções da capitã e, milimetricamente,
ele desviou. O rosto de Santana trocou um único olhar com o de Aquiles, a face
calma e calculista do elfo mostrou para a capitã o fruto de seu erro.
Com o
movimento de seu pé, Aquiles a desestabilizou em pleno ataque. Se movendo meio
passo para o lado, Aquiles armou seu cotovelo e o desceu com tudo para o chão,
levando consigo o corpo de Santana que fora prensado vagamente.
A
mulher se debateu e tentou levantar, mas o elfo bloqueou a capacidade de cada
uma das ações, a imobilizando com golpes marciais.
Após
um minuto daquilo, Aquiles a abandonou, a mesma se levantou e tentou lhe dar um
soco, mas ele havia pego sua mão pelo pulso e girou seu braço ainda judiado.
– Acho
que não precisamos de tanta baixaria. – Aquiles afirmou, se afastando de
Santana.
– O
bandido ganhou da capitã! – Um dos homens que os rodeavam avançou para Aquiles.
– Esse
maldito trapaceou! – Outro gritou, fazendo o mesmo.
–
Confiram suas mãos e calças! Ele usou de algo para ganhar!
–
Calem a boca! Malditos... – Santana gritou parando os dois. – Esse desgraçado
pode ser um bandido no âmago de seu ser, mas ele lutou de mãos limpas nesse
combate...
– Mas
Capitã Santana, ele não é nem ao menos um de nós...
– Eu
disse para vocês calarem a boca! – Respondeu com um grito, deixando vazar de
sua boca um pouco de saliva e sangue.
Os
homens que antes tentavam argumentar foram calados por completo pera a ira da
capitã.
– Me
levem para minha cabine e chamem o médico. – Santana afirmou, agarrando no
ombro de uma das pessoas em volta e dando as costas para Aquiles. – Filho de
Kaplar, após seus afazeres, venha a minha cabine... isso é uma ordem!
Aquiles
ficou parado até que outra pessoa chamasse sua atenção e lhe obrigasse a lavar
o convés com um esfregão, tarefa típica de quem só estava lá pra cumprir número.
Mesmo
com um serviço inútil e trivial como aquele, ele realizou sem questionar,
apenas refletindo sobre aquele lugar.
Santana
Bom, mais conhecida como “Capitã Santana”, serviu trinta de seus cinquenta anos
aos Cavaleiros Negros, sendo dez desses trinta como Capitã do Quarto Esquadrão.
Ela
era uma mestiça entre um elfo de Fhorre com um humano normal que foi obrigada a
seguir carreira militar após sua família se endividar com um monarca em plena
Guerra dos Povos. Depois de certo tempo, ela conseguiu se afiliar aos
Cavaleiros Negros e garantir a travessia de sua família para os solos de Artit.
Sua
última missão coincidia não só como a primeira missão de Aquiles como também a
missão que aniquilou todo o resto do quarto esquadrão dos Cavaleiros Negros –
com a exceção do elfo ruivo.
Em
outros apelidos, Santana Bom era conhecida como “Florete Nu” devido a seus
socos que, por causa de suas mãos pequenas, tinham uma área de impacto menor,
assim como o estocar de um florete.
Nenhum
outro membro da família de Santana Bom se destacou em nenhuma área.
Uma
passeata ao oeste de Artit foi feita junto com a construção de um monumento
gigantesco, rodeado por um cemitério em homenagem a todos que faleceram no
acidente com a embarcação, que tinha como foco uma patrulha mais aprofundada do
oceano próximo a Artit.
Depois
da perda de inúmeros homens, da sobrevivência única de Aquiles e das origens do
cavaleiro, ele foi tachado de traidor, fato esse que fora desmentido por
Cérbero dias após o resgate do elfo.
Aquiles
lembrava dos detalhes sobre Santana Bom à medida que fazia seu trabalho, não
sentindo queimaduras pela luz do sol nem exaustão.
Quando
reparou em suas costelas, haviam marcas de socos feitas pelos punhos florete de
Santana, mas elas não eram marcas grandes ou letais, era como se seu peitoral
tivesse anulado aquilo facilmente, tal como a carapaça escamosa de Glans.
Aquiles
se vangloriou mentalmente sobre isso.
Após
algumas dezenas de minutos, ele viu um outro homem saindo da cabine do capitão,
o mesmo olhou para Aquiles rapidamente.
– A
Capitã Santana quer falar com você. – Ele falou, seguindo em direção as escadas
para voltar ao interior do navio.
Aquiles
largou o esfregão e engoliu a saliva lentamente enquanto caminhava na direção
da porta.