Acordando em uma clínica médica,
o paladino se encontrou em uma cama quase que semelhante a do castelo de Carten
– mas muito menor se comparado a ela. Ele tentou levantar, mas sua cabeça
latejava de dor conforme se movia.
Um
grito foi solto na visão de uma luz clara atrás da cortina, um grito de dor
básico, mas um grito considerável.
Atrás
da cortina, o barulho de armadura andando tomou a atenção do paladino que logo viu
o ser entrando dentro das cortinas.
O
homem era alto, mas não tanto quanto Glans, algo de dez centímetros menor que o
draconato. Sua pele era extremamente pálida, incluindo seus lábios. Seus dentes
eram perolas brancas grandes e afiadas, seu “cabelo” parecia uma espécie de
calda de tubarão anexada biologicamente.
Sem
dúvida nenhuma sua armadura foi feita sob medida, afinal, nunca que alguém
forjaria uma armadura com aquelas proporções normalmente. Até mesmo os dedos de
suas luvas possuíam no mínimo dez centímetros cada.
Ele
era estranho.
De
forma envergada, ele puxou um banquinho e se sentou nele enquanto olhava para
Edward. Ele parecia receoso, mais pelo fato de não querer atrapalhar o paladino
do que qualquer outra coisa. Sacou de sua cintura um cantil com chá quente de
camomila.
– Acho
que isso vai ajudá-lo. – A voz era calma e astuta, o entregou chá enquanto confundia
a mente do paladino que tentava buscar em suas memórias quem era aquele homem e
se amargurando por esquecer de alguém com tão única aparência.
Tão
peculiar para ser esquecido, ele parecia um jovem para sua idade, sua pele
tinha a sensação de ser macia apesar de forte.
Edward
não respondeu nada, apenas pegou o cantil e começou a bebê-lo de forma receosa,
sabia que, devido ao seu corpo de elfo, não seria envenenado facilmente, então
isso o acalmou, mas não totalmente.
Dava
para reparar facilmente que o homem de mais de dois metros estava olhando para
seu ferimento da mesma forma que os outros. Porém, ele aparentava ter um peso
maior, como se aquilo estivesse doendo nele também.
Aos
poucos, a mente do paladino se estabilizava, nada diferente dos cansaços
mentais que ele sofria quando se iniciou na magia.
– Você
está bem? – O homem perguntou preocupado.
– Hum?
– Edward fitou o olhar no rosto dele revirando suas memórias. – Sim...
–
Ainda bem. – Afirmou com um suspiro de alivio.
Edward
continuou a olhar para ele, percebia a aflição e o receio que o mesmo exalava,
algo em Edward dizia para ajudá-lo, mesmo que suas memórias ainda estivessem
conturbadas.
– Qual
o problema? – Edward questionou inquieto e de forma caridosa, mesmo que não
pudesse oferecer muito.
– Hum?
– Ele virou seu rosto novamente para o paladino. – Há, Edward... – Se acalmou
por um segundo. – A forma que você fala me acalma.
O
dizer daquele ser revelava uma pequena angústia camuflada.
– Sabe
de nossa situação, pouco dinheiro para nos mantermos, quase nenhuma ajuda alheia
e a luta para mantermos sequer nosso espaço numa terra sem nome. – O paladino
ouvia aquilo com choques mentais vagos. – Eu não sei se vamos voltar depois
dessa missão...
– Kai Maikekai...
– Edward sussurrou ao lembrar da face do homem na sua frente.
– Hum?
Sim? – Questionou.
–
Acalme-se, vamos conseguir! – Edward tentou aumentar a moral do amigo com seus
dizeres positivos e sua face amistosa. E de fato conseguiu tirar um sorriso dos
dentes afiados do homem.
–
Obrigado... – Ele falou pacificamente enquanto se levantava. – Vou falar pra
sua esposa e filha entrar, tudo certo?
– Sim.
A
mente de Edward aos poucos retornava ao período que queria ter esquecido por
completo, mas agora que estava sendo obrigado a olhar para trás.
Pelo
menos faria aquilo com honra e orgulho aos feridos e mortos daquela época
maldita. Aos poucos recuperando as memorias, eles traçavam os perfis a sua
volta.
Kai Maikekai
um homem que já era especial por sua genética. Filho hibrido de uma raça
conhecida como “Nedture” e de outra conhecida como “Maluhia”.
Maluhia eram Humanos de proporções normais semelhante as sereias e tritões criados por Poseidon, mas esses eram de cunho pacífico, mas predatória com peixes menores, se destacando pelos dentes afiados de tubarões, pelo desenvolvimento de pernas humanas para vagarem pelo mundo e pela barbatana onde ficaria seu cabelo.
Nedture era o extremo raro do raro entre
as raças gigantes. Algo como parentes de quarto grau, sendo grande para
alheiros, mas minúsculos para os de pura raça.
Edward
não se lembrava a idade real de Kai e tinha certeza que não conhecia seus pais
diretamente. Ele sempre aparentava ter grandes esperanças por um futuro bom,
uma estrela esperançosa que defendia com unhas e dentes o seu grupo.
Pessoas
como o próprio paladino o seguiam por terem a mesma visão, além disso, devia a
ele por ter conhecido sua esposa por meio de seus afiliados... ah sim, a Sra. Leurice.
Wyntree
Leurice, esposa de Edward. A jovem elfa possuía dois anos a mais que o jovem
paladino quando viva, e morreu a cinco anos no período verdadeiro.
A
mesma possuía o desejo de maternidade cedo.
Além
das descrições apresentadas, ela era uma exímia dona de casa e fazendeira, ela
cuidou fielmente de sua filha e aldeia enquanto seu marido foi convocado para
ataques e invasões no meio da guerra.
Teoricamente
havia sido sequestrada por um assassino a parte e esquartejada em plena sede da
Interfectores Del Amine antes da invasão.
A
organização de assassinos não era temida apenas nas regiões próximas, ela foi a
responsável pela morte de duques e reis. Já reuniram corpos e sacrifícios para
rituais de cultos alheios, tratavam da segurança de quem pagasse – eram uma
verdadeira máfia medieval.
Seu
império construído logo no início da Guerra dos Povos foi se expandindo e
expandindo, tendo inúmeros casos em que eles ditaram influências na guerra,
guiando povos pelo medo assim como pastores de vestes negras e de foices
afiadas.
Mesmo
afiliando-se a diversas religiões, eles não eram fixados a uma em específico,
pulando de uma em uma quando mais convinha. Nos anos duzentos e cinquenta, eles
já estavam mal das pernas, não conseguindo trabalhos de grande importância como
já conseguiram e tendo suas sedes cada vez mais sendo destruídas por exércitos
inimigos.
Esse
era o caso da que Edward invadiu, a última e mais importante sede da Interfectores
Del Amine. Depois do massacre que foi aquele evento, assassinos ficaram com
medo e órfãos e os poucos que sobreviveram imploravam pelo anonimato.
O
detalhe que nunca chegou nos ouvidos do paladino foi quem denunciou a sede
deles – o máximo que ele soube é que o indivíduo era um traidor e, julgando
pelo nível da denúncia, um traidor com muitos escrúpulos.
Ele
olhou para sua esposa na área de enfermagem, enquanto acalmava seus pensamentos
e voltava para aquele cenário antigo que o mesmo ainda estava assimilando.
–
Edward... – Ela murmurou de forma manhosa e preocupada com o paladino e marido,
deitando-se em seu peito com cuidado para não aflorar o ferimento. – Desculpe,
foi por impulso.
– Tudo
bem. – O paladino afirmou da forma mais humilde e calma possível. Logo depois
ele reparou a cesta de piquenique que ela carregava. – O que trouxe?
– Hum?
– Ela se afastou e abriu a cesta e tirou algumas frutas. – Os vizinhos quiseram
ajudar. – Ela descascou e lhe entregou uma laranja. – Eles deram ervas
medicinais e um pouco de dinheiro para tratamento se precisarmos. Sei que os
estrangeiros não são de total confiança, mas talvez algum possa ajudar.
– Eu
não preciso de tratamentos médicos. – Edward falou enquanto pegava a laranja
descascada, ele usou ambos os braços para manusear seus membros para comê-la. –
A dor dele é suportável, não precisamos gastar dinheiro com tratamentos.
A
máscara de confiança do paladino era maquiada suavemente com trejeitos de dor
falsos para complementar sua postura inocente e pacifica.
– Mas
querido, e se você... – Ela se encostou em Edward e toucou seu braço ferido com
cuidado.
– É
apenas um braço. – Comentou rindo vagamente. – Eu consigo me virar sem ele.
A elfa
se calou com um suspiro.
– Você
não precisa tomar tudo isso para você. Os médicos podem ajudá-lo dependendo do
pagamento, se somarmos as nossas economias...
Edward
rapidamente engoliu a laranja em pedaços pequenos enquanto se levantava,
percebendo só de última hora que só estava de bermuda.
– Meu
corpo ainda está perfeito para eu me movimentar e fazer os afazeres básicos. –
Edward afirmou, retraindo o braço como teatro. – Apenas não posso o movimentá-lo
muito, talvez seja melhor pegar uma armadura metálica e colada para mantê-lo no
lugar.
– Você
não acha que deixa ele menos exposto não vai prejudicá-lo?
– Acho
que deixar mais exposto vai dar caminho livre para as bactérias e doenças
entrarem mais fácil em meu corpo. Matheus Freitas: Umas aulas de Biologia
fariam bem para ele...
– O
que? – A cara de confusa de Wyntree era tão expressiva como a face de lagarto
sem reação de Glans, algo que lhe causava uma leve risada interna.
– Eu
não sei, foi algo que eu ouvi do padre. – Edward afirmou com um sorriso falso e
calculista.
– Se o
padre falou, deve estar certo então... – Ela murmurou.
Edward
não poderia dizer se ela acreditou em suas palavras ou não, mas pelo menos
poderia servir como uma resposta temporária.
Quando
saiu daquele lugar, ele foi saudado pela sua filha e seus companheiros, vendo
de fundo Kai sorrindo receosamente. Foi então que o plano do paladino iniciou.
Seria
algo arriscado, mas que seria a única solução na mente do paladino. Seu braço,
ao contrário do que todos de lá pensavam, estava tão potente quanto antes do
ferimento, a armadura de metal completa estava quase na reta, só lhe faltava a
arma e o escudo – a conexão com o mundo magico já era algo fora de cogitação,
principalmente uma decente.
Edward
não sabia como ou as dificuldades que iria enfrentar, mas ele iria proteger
aquela vila. Saberia que não iria conseguir companheiros para aquela luta –
afinal, os soldados de lá iriam para a guerra logo.
Os fundamentos
do combate em guerra incluem muitas regras e normas próprias, como dogmas
morais eles são seguidos por todos.
Aquiles
estudou a fundo tais dogmas, como tratar seus soldados, como os reunir,
posicionar e coisas além do combate como manter a saúde e disposição dos
mesmos.
Edward
também era do mesmo naipe do baralho, mas ao contrário do elfo da floresta que
era um grande “Rei de Espadas” solitário em sua divisão, Edward era um surrado “Cavaleiro
Qualquer”.
O elfo
negro não possuía tanto conhecimento sobre regras de guerra e estratégias,
apenas o básico e o que se tornara óbvio com o tempo.
Porém,
conseguiu duas habilidades passivas em meio aos seus dias sem direção.
A
primeira era seu estômago. Notoriamente entre as raças, elfos possuem maior
resistência a venenos e doenças naturais, mas o estômago do paladino ex-soldado
adquiriu capacidades incríveis.
Acostumado
com paradas curtas e com comidas improvisadas, Edward sempre comia o máximo que
conseguia antes de um combate futuro. Afinal, não saberia dizer se aquela
refeição poderia ser repetida em outro momento. Tanto que, sua refeição
favorita se tornou toda e qualquer sopa.
A
segunda façanha foi seu sono. Elfos dormem em media cinco a seis horas por dia
– cerca de duas horas a menos que um humano normal –, mas o sono de Edward era
especial.
Viajando
quase sem rumo entre sua conversão a Tac Nyan e a fatídica condenação em Kranbar,
Edward se acostumou com a solidão em muitos momentos, isso lhe proporcionou uma
leveza incrível em seu sono.
O
paladino era um saco sem fundo quando comia e um gato atento quando dormente.
Os preparativos
eram feitos cuidadosamente pelo mesmo, enquanto esperava o fatídico dia de seu
combate em uma linha de tempo alternativa.
“Eu
sei que isso não é real, o demônio controla esse lugar e minha fé não pode ser
canalizada por aqui...” Ele pensou para
si próprio, reunindo força interna. “Mas de pouco importa. Eu vou vencer os
assassinos e ditar um novo final, não importa como e o que eu preciso fazer, eu
vou fazer!”