A vida, para a maioria dos
seres, é finita.
Os
deuses alcançaram avatares e meios de se tornarem imortais ao tempo, mas não ao
espaço. Abaixo deles, estão suas criações, raças com prazos de validade
variados – elfos vivendo no máximo duzentos anos, humanos comuns de setenta a
noventa, draconianos podendo transcender séculos e isso sendo apenas uma fração
do conhecimento geral – e aqueles que manipularam a magia para atrasarem cada
vez mais o relógio.
Teoricamente,
existem formas mágicas de alguém se tornar imortal.
Desde
alquimia, que na teoria, regenera células mortas e as substitui por novas;
inúmeras magias focadas em reforço corpóreo extremamente específicas; pactos e
devoções a figuras e divindades alheias; entre outros.
Esses
eram os métodos mais comuns – mesmo sendo surrealmente raros – encontrados pelo
mundo, mas o que mantinha o músico necromante em pé era algo tão único quanto
um milagre divino.
Seu
corpo era um homúnculo demoníaco, com partes cortadas e remendadas de
diferentes tipos de demônios e vítimas dos mesmos, mas o seu órgão cerebral
ainda era o mesmo de quando fora humano.
Já foi
antigamente um homem comum, um seguidor da morte, mais especificamente da
Ceifa. Guiados pelo seu deus, o grupo em questão atacou a cidade élfica em
sacrifício, logo, na mesma noite, uma projeção lhes apareceu.
Um
vulto negro encapuzado, semelhante a um anjo negro, um ser que esbanjava
energias santas da morte.
Chamando
a atenção de um dos homens do grupo, ele colocou todas as almas de seus
companheiros em sua tarefa.
– Proteja
o núcleo desse local que eu o amaldiçoarei. – a representação ordenou.
Com
todos caindo simultaneamente, o homem em questão era o único vivo no local. Ele
estava receoso, mas vendeu sua alma a devoção em instantes.
–
Aceitarei esse dever com a minha alma, mas meu corpo não conseguirá suportar
tal pedido. – Afirmou com êxtase.
–
Pobre homem. – A Morte lhe disse calmamente. – Seu corpo mortal reprime suas
capacidades verdadeiras, mas, como um de meus seguidores, eu lhe ofereço uma
oportunidade maior...
Seu
corpo foi rapidamente perfurado por garras invisíveis que lhe espremeram o
peito.
–
Usarei de meus domínios para transformá-lo em um ser imortal ao tempo, alguém
que independentemente dos séculos, permanecerá em pé. – Ela afirmou, levantando
seu rosto com suas mãos frias de unhas grandes. – A única coisa que lhe impedirá
de continuar será aqueles que lhe ferirem.
– Não
deixarei fazer isso com esse corpo concedido! – Ele respondeu, encarando as íris
douradas da divindade com respeito e admiração.
–
Perfeito...
Por
quase dois séculos, ele ficou vigiando aquele local, sempre tocando seu instrumento.
Sua promessa com a divindade não se manteve por muito tempo, em seu primeiro
século vigiando o local, um batalhão de cavaleiros acabou por deslocar sua mandíbula,
realizando um ferimento no corpo perfeito que lhe fora entregue.
Porém,
aquela havia sido sua única falha, mesmo com o passar dos tempos, ele continuou
com o controle do local, fazendo novos prisioneiros que sucumbiram a seu covil
demoníaco que se moldava a seu prazer.
Até
aquele grupo chegar.
O elfo
da floresta havia saído de sua maldição e ganhou facilmente de seus soldados.
Um ser que despertava interesse e talvez medo no ancião necromante, dando-o
vontade de encará-lo frente-a-frente, o que levou a situação atual.
– Nós
viemos colocar um ponto final em sua dominância! – Aquiles gritou bravamente
perante o inimigo gigantesco, que só crescia visualmente nos olhos dos
desafiantes.
– Você
é um dos poucos que saiu de meu feitiço, nem mesmo a fé de seu companheiro
conseguiu resultados até agora... – O necromante afirmou, erguendo a mão na altura
do peito e reunindo vagamente energias santas. – ...Seu assassino, muito
menos...
– O
que você fez com Edward e Varis!? – Voltten gritou do lado de Aquiles, tentando
colocar moral, mesmo que estivesse assustado.
–
Perguntem para seu suposto líder. – O necromante proferiu de forma requintada e
educada, diminuindo vagamente o som do instrumento que suas mãos espectrais
tocavam. – Ele passou pelo mesmo tipo de experiência que eles estão passando.
–
Então conseguiríamos ajudá-los? – Voltten se questionou vagamente.
– O
máximo que vocês farão é adiantar a hora que eles cairão. – Fechando sua mão em
uma pequena explosão de energia roxa, abrindo novamente revelando uma esfera
negra que flutuava em uma teia de aranha formada com base em seus dedos. – Mas
devo admitir, a décadas ou séculos não via seres tão determinados, nem mesmos
esses seguidores da Vida chegam perto.
– Quer
dizer que fomos todos inúteis? – Um máscara assustada perguntou, se escondendo
atrás de Glans vagamente.
– Oh,
não diria inúteis. – Com a mão livre, o necromante invocou mais um braço que
flutuou pra perto de um dos bancos da igreja, trazendo consigo o tronco arrancado
e sem braços de um cultista feliz apenas com a cabeça. – Esse seu amigo, Leonard,
foi um excelente guerreiro que vagou pelos meus corredores e chegou aqui, não
inteiro.
Ele
jogou o corpo no piso da igreja como forma de humilhação ao culto da vida.
–
Valorizo sua capacidade de liderar todos de seu grupo e de mantê-los no
controle para não acabarem igual ao pobre Leonard. – O necromante começou a
soar melancólico, enquanto dava passos pequenos na direção do grupo.
–
Leonard... – Os cultistas sussurraram de forma assustada.
– Ele
foi um dos melhores soldados que nós tínhamos. – Um cultista assustado afirmou
tremendo.
–
Aquiles... – A espadachim mulher falou com sua voz normal enquanto tremia sua
espada. – Permissão pra recuar?
–
Negada. – O cavaleiro afirmou friamente. – Um soldado não ganha a guerra. – Ele
focou na esfera negra entre os dedos do necromante. – Um grupo sim.
Todos
se puseram em posição de ataque, Voltten lentamente preparou a bola de fogo em
seu cajado e Glans se posicionou quase igual um lutador de sumo, pronto para
arrancar.
–
Escamoso, atrás de mim. – Aquiles sussurrou enquanto preparava mentalmente o
movimento. – Você enrola, espadachins, pulem nos ombros de Glans e tentem
acertar qualquer coisa. Arqueiro, na cabeça. Voltten, quando eu falar.
Curandeiros... – Aquiles franziu a testa lentamente. – Façam seu trabalho, se
necessário.
Rapidamente
o cavaleiro guardou uma de suas espadas, tendo uma pouco de dificuldade para
segurar uma espada leve com as duas mãos. Seus olhos fitaram os olhos bizarros
do necromante, mas seus sentidos previam a bola negra sendo arremessada.
Logo Aquiles
disparou na direção do necromante, que rapidamente manipulou a bola de energia
com as duas mãos e a jogou como uma esfera instável na direção do elfo ruivo.
Porém,
aquilo não era uma situação nova para Aquiles – não necessariamente.
Os
inúmeros meios de contra-ataque mágicos passados e ensinados por Ortros não
eram só para os poucos padres, sacerdotes e paladinos de Tac Nyan, mas também
para os clérigos e soldados dos cavaleiros negros.
Esferas
de energia são naturalmente instáveis. Elas dependem de uma grande capacidade
do invocador para mantê-la em um formato perfeito, isso justifica o fato de
que, em certa distância, a esfera fica tão instável que explode
automaticamente. Mas, em uma distância tão próxima como a que Aquiles estava do
necromante, a esfera seria sólida e maciça, pelo menos até que o necromante a
quisesse naquele estado.
A uma distância
quase nula, Aquiles sentiu as energias de seu corpo sendo sugadas para dentro
da esfera, mas logo ele usou da tática para literalmente rebater aquela magia.
Quando
a magia encostou em sua espada, ela transmitiu raios negros enquanto esfriava o
metal ao ponto de fazer pequenas lascas de gelo surgirem. Porém, Aquiles
permaneceu firme perante aquilo e rapidamente jogou a lâmina para um lado
aleatório, rebatendo a magia como uma bola de basebol. {Matheus Freitas: Home Run!
A
magia varou alguns bancos, os destruindo com explosões menores até que chegou
na parede da igreja, que teve a área atingida deteriorada e congelada.
Quando
o necromante voltou sua visão para Aquiles, ele só viu o vulto do mesmo passando
a um metro de seu lado. Quando seu corpo se virou para reagir, um soco certeiro
foi dado um pouco abaixo do peito.
Glans
estava a socá-lo, revelando a verdadeira altura do necromante – cerca de dois
metros e sessenta, trinta a mais que o draconato.
Um
soco foi armado na direção do rosto do draconato, mas logo ele reparou no que
ia se suceder.
As
moscas normais enxergam o mundo cerca de quatro vezes mais rápido, tendo sua
visão desviada para Aquiles, ele não se preparou para o golpe de Glans, mas,
agora com sua visão focada na direção do elevador, ele pôde ver os dois
cultistas espadachins correndo, enquanto uma flecha viajava para sua cabeça.
Em segundos,
ele se propulsionou para trás com um pulso mágico de ar. Enquanto os
espadachins saltaram e subiram nas costas do draconato, dando um segundo pulo e
se apoiando no ombro de Glans.
As
modificações das armas dos cultistas vibravam rapidamente, dizendo-lhes onde
atacar, mas o necromante decidiu se defender perante o ataque triplo. Ele
invocou mais braços para lhe rodear, eles eram como fantasmas de seus membros,
que se moviam como as mãos de um maestro.
Os
braços eram fracos e se moviam bem lentamente, mas eles conseguiram facilmente
bloquear os golpes de espada como duas armaduras pesadas que flutuavam no
ambiente. Porém, a flecha que foi lançada, acertou o canto de seu rosto,
arranhando vagamente sua orelha.
Todos pararam
vagamente depois do primeiro ataque coordenado por Aquiles enquanto esperavam
mais ordens. O necromante estava a sete metros na frente do draconato, que por
sua vez, estavam a uns doze do arqueiro, curandeiros e de Voltten.
Mas a
questão para o necromante era a localização de Aquiles. Ele passou tão rápido
como um vulto e, até aquele momento, não havia entrado em sua linha de visão
novamente. O necromante tentou virar-se vagamente – tomando todo cuidado para
não expor as costas para os inimigos.
Após
um certo instante de relaxamento, os espadachins voltaram a atacar, mas dessa vez,
junto de Glans que, semelhante aos garrões de braço de lutadores de sumo, tomou
posse dos dois braços que bloquearam o ataque dos cultistas anteriormente.
Glans
fazia força para empurrá-los para longe, enquanto braços menores atrapalhavam
os cultistas, mas a figura do elfo ruivo não se revelava.
A
mente cínica do necromante acabou por sofrer de seu maior mal, o medo. Seus
resquícios de humanidade ainda afloravam sua mente, principalmente vendo aquele
que mais lhe representava ameaça naquele grupo.
Até
mesmo o draconato gigantesco não parecia ameaça perante a mente guerreira e
preparada do cavaleiro negro, que não só exalava confiança, como lógica e
inteligência. Ele recuou dois passos para trás – fingindo a ação de medo com
uma ação de confiança.
Ele
focou seus ouvidos decrépitos para tentar ouvir passos em sua retaguarda, mas o
som das espadas golpeando os braços de escudo e do draconato rangendo de leve cansaço,
camuflavam qualquer som.
Aos poucos,
ele tentava morder os lábios de nervosismo, mas sua mandíbula quebrada ainda
presa ao corpo dificultava, isso apenas o prejudicou mais. A cada segundo, ele
aranhava seus braços de medo com suas unhas afiadas, rasgando sua pele de
nervosismo.
Em sua
frente, era visível a chama de bola de fogo se iniciando do lado do arqueiro,
se ele se pusesse de costas, automaticamente o mago lançaria a esfera e quase
que certamente ele acertaria suas costas.
Porém,
o anonimato de Aquiles só piorava seus nervos e seu psicológico precoce.
Apenas
a música de seu instrumento lhe acalmava, o tom doce das teclas tocando em
sintonia com o universo, declarando cada parte do espirito negro da Morte.
Tal música,
tais sons, tal soar... tal soar foi quebrado, rasgado e destruído pelas espadas
de Aquiles, que as arrancaram e a as destruía da forma mais violenta possível.
–
Marfim, não é. – Aquiles afirmou enquanto o necromante se virava para o mesmo
com extremo medo, receio e quase que completamente em choque. – Na próxima, peça
para a Morte lhe dar um feito completamente de metal. – A ironia do cavaleiro
fora o suficiente para o necromante recolher todas as mãos e braços.
A
fúria era visível, suas íris começaram a piscar com energia negra. Em um emanar
semelhante as explosões de Cérbero – porém, em tonalidades rosas e roxas – ele
se aproximou de Aquiles.
O
cavaleiro obviamente não ficou parado. Aquiles pegou impulso no próprio altar
do teclado destruído, tal como um ladino faria – e talvez aquilo daria um pouco
de orgulho para Varis – ele saltou em êxtase, ficando quase um metro acima do
necromante.
No
exato segundo que Aquiles ficou em cima do inimigo, a esfera de fogo foi
arremessada por Voltten que envolveu o necromante em chamas.
Porém,
na aterrisagem, Aquiles foi recepcionado com um soco direto do tamanho de seu
tronco. A porrada se dividiu pelo corpo inteiro e o mesmo destruiu quase que um
lado inteiro em bancos de igreja na queda.
–
Aquiles! – Glans, Voltten e Briseis gritaram preocupados com o cavaleiro.
– Relaxem,
eu tô bem. – O cavaleiro falou ofegante, anulando mentalmente o que conseguia
das dores. – O cara da foice foi pior. – Ironizou se sentando vagamente.
–
Curandeiros! – Voltten gritou, se recompondo enquanto olhava para os cultistas
de máscara assustada.
– Sim!
– Os dois se direcionaram para o cavaleiro caído.
–
Atacar algo de suma importância para o inimigo para desestabilizá-lo... – O
arqueiro disse vagamente enquanto preparava outra flecha. – Seu capitão usa de
muita baixaria.
– Do
que custa lutarmos de igual para igual sendo que está mais que claro que
devemos matá-lo a qualquer custo. – Voltten tomou fôlego rapidamente, ajeitando
a postura e se pondo a conjurar novamente o feitiço. – Só não fale disso com o Edward
e tudo estará bem.
– De
acordo...