O recipiente de argila foi
preenchido de forma cuidadosa e precisa, dentro dele, duas camadas – uma
central e outra que a separava da frágil proteção da argila. Pólvora revestida
com pedras que, ao se encostarem com uma grande velocidade – normalmente quando
a bomba acerta o alvo – explode, liberando a barreira de fósforo branco interno
que a reveste.
A
pólvora, em mistura com o fósforo branco, projeta uma nuvem de fumaça nociva
para olhos não treinados. Tal item era forjado por assassinos como método de
escape e para se ocultar em multidões. Uma mistura da cultura anã, que descobriu
e mostrou a cultura gnômica que a moldou com outros elementos o que o tornou
num item estratégico letal e completamente não mágico. Tudo isso relacionado
com a química e ciência derivada da Deusa do Conhecimento, Tetra.
Claro
que, aqueles que criaram essa criação tinham influências de partes de povos
alheios, literalmente roubada de antigos povos que hoje fazem parte do Clã
Neko, uma grande parte do reino de Ortren.
Com um
leve toque, Varis sentiu um pouco do forte veneno em pó derivado da flor de
coca. Uma pessoa que inala o pó, além de adquirir dependência se inalado muitas
vezes, pode sofrer uma arritmia cardíaca muito elevada, espasmos musculares e
convulsões com extrema facilidade.
Elfos
são imunes a esse tipo de droga, assim como outros vícios e venenos derivados
de fontes naturais.
Ao redor
do ladino, o silêncio imperava, dava para ouvir o som frio e seco da rolha
tampando o gargalo da bomba ao ponto de distinguir quando ela raspava com a
pólvora.
Varis
não possuía medo do que aquilo lhe causaria, mas o cheiro impregnado junto do
veneno que dominaria seu quarto de hotel faria ele e seu grupo ser expulso
facilmente – e talvez, matasse a pessoa que fosse limpar o local futuramente.
Quando
ele finalizou, agrupou as três bombas em um coldre improvisado que, por sua vez,
foi guardado com o maior cuidado e carinho em sua mochila, envolvendo antes em
panos para evitar uma possível explosão acidental.
Quando
ele abriu a porta do quarto do hotel para tomar um ar, ele deu de cara com
Voltten em sua tradicional pilha de nervos, mas que logo se acalmou depois de
ver que Varis obteve sucesso.
– Tudo
feito? – Ele questionou em posição de confiança.
– Pior
impossível. – Varis ironizou de forma cômica. – Foi meio caro comprar as
drogas, mas está feito, só precisamos esperar o momento para usar elas.
–
Ainda está com o plano de um sequestro?
– É um
plano teórico, mas ainda é um plano. – Varis comentou se espreguiçando. – Aliás,
onde estão os outros?
–
Aquiles, James e Edward foram treinar com os selos de Faufautua, já James,
pegou o cavalo e voltou a treinar pontaria ao redor da cidade. – Voltten soltou
um leve bocejo. – Eu só fiquei esperando mesmo.
–
Acordar tão cedo foi desnecessário, porque Edward teve essa ideia... – Varis já
estava disposto a continuar o dia de forma normal. – Eu entendo o pouco tempo
que temos até o início do torneio, mas não precisava de tanto.
– Você
não vai treinar ou algo do tipo? Preparo físico seria bom.
– Em
parte, mas, baseado no que vimos antes, a maioria dos competidores vão ser
fracos ou sem graça. – Varis afirmou, analisando de forma cirúrgica a situação.
– A real ameaça são os membros da Interfectores e os possíveis da Ceifa, isso
tirando Klaus e aquele Golem que vocês mencionaram.
–
Ainda tem as teorias de que as pessoas esconderam seus poderes nas
classificações.
– Eu
não compro essa ideia, mas ao todo, temos quatro supostos inimigos realmente
relevantes, na realidade, cinco.
– Hum?
– Voltten murmurou quase que na hora. – Quem é o quinto?
–
Pulu. – Varis afirmou friamente. – Não acho que ele seja realmente devoto a nos
ajudar, talvez seja só minha desconfiança com aquelas vestes nobres que ele e Faufautua
usam, mas se ganhássemos dele eu acharia melhor.
– Eles
vão criar uma grade de combate com vinte participantes, há tanto chances de
enfrentarmos as pessoas do nosso próprio time contra qualquer outro
participante. – Voltten contrapôs. – Estamos nos planejando tanto para
contornar os problemas que isso pode causar.
–
Talvez usar de uma das granadas em situação crítica seja eficiente, é uma forma
crua e gratuita de matar o oponente, mas se Klaus, aparentemente pode usar
bombas, eu também posso.
Voltten
concordou com a cabeça enquanto entrava no quarto para conferir a janela para
ter uma noção do horário.
– Acho
que os próximos testes para o torneio vão começar em pouco tempo. – Ele supôs
ao reparar na altura do sol, estimando que estava próximo as oito da manhã. –
Me acompanha nessa?
– Não,
eu passo. – Varis afirmou, se arrumando em suas vestes de combate, colocando os
sacos de corrente, as adagas para saque rápido e tudo. – Acho que, com todo
mundo se empenhando, eu deveria pelo menos rever uma estratégia melhor de
combate.
– Vai
sair por aí caçando um inimigo ou vai chicotear árvores? – Voltten ironizou com
tom de comédia.
– Algo
do tipo. – Varis respondeu em mesmo tom.
Querendo
ou não, era realidade que um preparo adequando era uma grande vantagem contra
possíveis inimigos maiores.
O
“treinamento portátil” – como chamava Faufautua – era algo que a mesma usava na
época de guerra, constituía em um estimulante muscular que contraia e descontraia
músculos, os movendo e os exercitando de forma artificial e funcional.
A dor
era um pouco irritante, assim como os outros selos, ele precisava de um uso
frequente para que os males serem acostumados pelo corpo, mas o efeito era
extremamente eficiente. Usar esses selos era uma excelente forma passiva de
preparo.
Na
ferraria de Faufautua, ela e Pulo reviam as estratégias e necessidades com
Aquiles e Glans, enquanto Edward meditava em um canto afastado.
Faufautua
já tirara suas luvas femininas, revelando os dois olhos gigantes que cobriam as
palmas de suas mãos, enquanto Aquiles e Glans as observavam de forma incômoda.
– Você
vê através desses olhos? – Glans questionou intrigado.
– Sim,
é bizarro de explicar, mas esses olhos não são exatamente olhos, mesmo sendo ao
mesmo tempo... – Faufautua falou de forma confusa e sem muita ideia de como
explicar. – Se eu tivesse no meu corpo original seria melhor de dar uma
resposta.
– Você
perdeu mais do que as costelas? – Aquiles questionou com espanto.
– Não
é bem questão de perder, é que eu me adaptei a uma forma humana “mortal” e
perdi alguns traços de minha forma de deusa. – Respondeu com um suspiro. – Eu
não envelheço, mas meu corpo se adapta em certas situações.
–
Vocês tinham que ver os diários de meus avós, ela tinha veias vermelhas pelo
corpo, principalmente nas... – Pulu foi calado com um rápido soco vindo de Faufautua.
–
Enfim.... Vocês estão conseguindo sentir o aumento muscular? – Ela sobrepôs a
fala de seu pupilo com uma pergunta casual e descontraída.
– Oh,
de fato. – Aquiles afirmou pensativo.
–
Pinicar, mas é bom. – Glans complementou.
O
paladino nada respondeu, mesmo tendo ouvido a pergunta.
– O
Punho de Fogo não vai falar nada? – Pulu questionou intrigado enquanto desviava
a visão para Edward.
– Eu
chuto que o mesmo está em um dilema. – Aquiles afirmou de forma sutil para que
o companheiro não o escutasse.
– Hum?
– Faufautua e Pulu questionaram simultaneamente.
– Faufautua,
me explique melhor. Você, que já foi uma deusa, como funciona a instabilidade
de magias por falta de fé. – Ainda em tom baixo, Aquiles continuou.
–
Nunca presenciou isso? – Ela perguntou, assumindo o mesmo tom baixo de voz.
– Não
é que eu nunca presenciei, é que eu nunca entendi de fato como funciona. – Murmurou
com lembranças imediatas de Cérbero.
– A
magia divina é uma manifestação espiritual da fé de uma pessoa. Normalmente,
todos os deuses tinham esse requisito de fé, mas Yeshua e Lúcifer conseguiram burlar isso, tudo a partir de adaptações e
evoluções. – Ela explicou friamente, buscando em suas memórias as lembranças
quase esquecidas sobre o assunto. – Os outros deuses que ainda estão vivos usam
do “sistema comum”. Quando a pessoa em questão profere uma magia o Deus em
questão concede os domínios de sua força.
– Poderia explicar essa parte?
– Nem mesmo se quisesse, faz tanto tempo que nem
lembro a sensação que era alguém invocando uma magia de meu espectro. – Faufautua
afirmou de forma cabisbaixa. – Mas eu posso lhe falar em si como a magia
funciona em um aspecto geral, baseado em teorias e vagas lembranças.
–
Prossiga, por favor.
– A
energia do Deus manifesta a magia e o invocador a manuseia e se encarrega de
ajustá-la, de certo modo. Itens mágicos podem variar do quanto de energia podem
acumular ou atrair, junto disso, eles podem conter efeitos em específico. – Faufautua
parou para refletir. – Se não me falha a memória, o estado em que a magia perde
o controle pode vir de uma série de fatores que variam entre a pessoa que
conjurou a magia e o Deus que concedeu a energia, mas em todos os casos, os
resultados não são bons.
–
Espera, por que entramos nesse assunto? – Pulu questionou, levantando mais a
voz, sendo interrompido rapidamente por uma mimica de Aquiles que pedia
silêncio.
– O
que exatamente ocorre na explosão se energia?
– O óbvio
seria dizer que a energia se perde no molde e explode, mas sendo mais especifica:
Em objetos, ela costuma os quebrar em uma explosão semelhante a uma grande
quantidade de pólvora; Em membros do corpo, normalmente, ela começa os
movimentando involuntariamente até que eles se quebrem e explodam internamente,
em casos extremos eles pulam a etapa e só explodem sem aviso prévio; Existe um
terceiro caso que é quando a pessoa molda a magia e depois a faz explodi espontaneamente,
nesse caso varia um pouco, mas é fácil de deduzir o resultado baseando-se nos
dois primeiros e no efeito da magia.
–
Então não tem como se safar de uma explosão do tipo...
– Eu
diria que tem, mas que as condições são meio específicas demais. – Ela falou
com um ar bem neutro, mas realista e seco. – Se uma pessoa possuir um meio de
adquirir uma resistência sobre-humana durante o período da explosão, ela pode
amenizar ou até anular os danos. – Ela terminou com um suspiro depressivo.
– Isso
ser impossível, certo? – Glans questionou.
– Eu
não diria impossível, mas inviável. – Respondeu, tentando ser mais otimista,
mas falhando no processo. – Tecnicamente, é só fazer um “coquetel” de magias de
reforço, mas as mesmas são difíceis de conseguir. Fora que a maioria dos deuses
que possuíam essas magias ou estão mortos, ou estão na mesma situação que eu ou
na mesma situação que aquela pedra do golem.
– Aliás...
– Pulu interrompeu. – Você falando isso sobre o Punho de Fogo, você está
insinuando que ele...
–
Estou supondo. – Justificou Aquiles. – Coisas aconteceram, eu não posso dizer
que isso é impossível de acontecer se for parar para refletir e ver o mundo
pelos olhos dele.
A
conversa foi interrompida pela porta da ferraria que tomou a atenção de todos, se
revelando ao grupo, James havia retornado de uma pequena maratona de tiros.
–
Bem-vindo. – Faufautua e Pulu saudaram imediatamente.
–
Voltou das cavalgadas? – Aquiles ironizou, olhando para o arqueiro que estava entrando
no local.
– E
você? Acabou com a sessão de estímulos masoquistas? – James retrucou
imediatamente com a maior sagacidade possível.
De
fato, a postura do cavaleiro não o ajudava, o mesmo tirou por completo sua
armadura e, assim como Glans, ficou só de bermuda.
Porém,
diferente do draconato que possuía uma carapaça escamosa natural que não
possuía muitos detalhes, Aquiles possuía um tórax humanoide de dar inveja, mas
o mesmo estava coberto por selos de estímulos para treinamento – incluindo um
que tampava seu mamilo esquerdo.
De
fato, o cavaleiro tinha sido humilhado na breve troca de palavras.
– Fica
quieto! – Aquiles respondeu irritado, mas ainda de forma cômica.
– Veio
tentar aumentar a capacidade física? – Pulu questionou.
– Não,
não. Eu só vou usar meu arco e um melhor eu não poderia ter. – James afirmou de
forma amistosa. – Preciso de selos mágicos que façam algo no campo de combate.
–
Magias de área? – Faufautua questionou pensativa. – Planeja o que? Um círculo
de fogo? Colocar uma bomba na flecha? Eu consigo até fazer um selo gerar uma
espuma pegajosa.
– São
boas propostas, mas eu preciso de um em específico, ou melhor, dois da mesma
magia. – James afirmou de forma suave e calma enquanto encarava Faufautua.
–
Precisa do que?
– Uma
magia de vento.
–
Como?
–
Preciso de uma magia que inicie algo semelhante a um tornado ao meu redor. – Complementou
James em tom sério, deixando claro que aquilo não era piada.
– Para
que você vai usar isso? – Questionou Aquiles de fundo. – Você é um arqueiro, um
tornado não ia jogar suas flechas para longe do lugar que você mirou?
–
Exato! – James afirmou instantaneamente. – O vento vai ser minha principal arma
e para isso eu preciso de dois, um para uso e outro para teste.
– Você
está me dizendo que seu plano é atirar uma flecha numa ventania e assim ela
magicamente vai direcionar sua flecha para o seu alvo?
–
Magicamente não, a única magia que planejo usar é para criar a ventania. – Respondeu
no seco. – A minha lógica é pegar a velocidade e direção de cada parte do
tornado e traçar uma rota em que a minha flecha atinja o alvo, independente da
cobertura que ele estiver.
Todos
encararam o arqueiro por alguns segundos sem reação.
–
James, você percebeu o que acabou de falar? – Aquiles questionou completamente
confuso.
– Eu
gostei da ideia. – Afirmou Edward, saindo do lado de Aquiles com a face
pensativa. – Realmente é uma ideia que vale a pena tentar.
– Oi
Edward. – James saudou o paladino com um gesto.
– Eu
sei que você sabe sobre magia, mas vai por mim, um arco fazer isso é
impossível!
–
Improvável! – Contrapôs rapidamente.
– Hum?
– Um resmungo coletivo fez o arqueiro o centro das atenções novamente.
– Só
porque uma coisa parece surrealmente incrível, não quer dizer que ela é
impossível. Se existe uma mínima chance de ela ser feita, então ela não é
impossível. – James afirmou de forma sólida. – Se ela não é impossível, então
tem como ser feita.
– Isso
tudo está muito confuso. – Faufautua cortou o clima. – Eu estou com o maromba,
essa coisa de “acertar alguém com uma flecha no vento” é quase que a estratégia
mais retardada que eu já ouvi, e olha que eu sou da época que as pessoas
achavam que correr de olhos fechados numa saraivada de flechas era uma boa
ideia.
– Viu!
– Aquiles complementou se vangloriando.
– Mas
eu consigo fazer isso. – Ela completou com um suspiro. – Eu não recomendo você
fazer isso, mas se quer se matar, vai em frente. Vou trabalhar nos selos agora
mesmo.